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“Quem sou eu?” – Questão fundamental

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Quem Sou Eu
Tasso Assunção

Em inúmeras palestras que proferiu pelo mundo durante mais de cinquenta anos, o sábio indiano Jiddu Krishnamurti reafirmou, tal como Buda, Krishna e Cristo, a primordial relevância do autoconhecimento, segundo ele – “a base da sabedoria”.

Como nenhum outro, o prolífico sábio indiano examinou por diversos ângulos, e em profundidade jamais registrada, a momentosa questão atinente à compreensão da consciência, do “si mesmo”, sem a qual o homem existe como mero autômato.

A menos que a pessoa compreenda a si mesma, ou seja, a menos que alcance o pleno entendimento do processo de funcionamento da própria consciência, isto é, do mecanismo do pensamento, não terá base para a ação e agirá na escuridão.

Para tanto, faz-se necessária permanente vigilância dos próprios pensamentos e sentimentos, serena observação das motivações, patentes e recônditas, com que se enreda a mente humana, árdua investigação desta e suas instáveis nuanças.

A investigação remete à questão do condicionamento, a programação mental a que estão submetidos os seres humanos, condicionamento esse que se mantém em funcionamento por meio do processo do pensamento mecânico e compulsivo.

Reação – automática – da memória a estímulos externos e internos, o pensamento configura como que um filtro determinante da qualidade da percepção, que se vai acumulando e fortalecendo ao longo do tempo, constituindo a autoimagem.

Unicamente o entendimento desse processo de condicionamento pode libertar o homem das amarras do tempo, ao permitir o “percebimento direto”, liberto da influência da memória, das marcas da experiência acumulada, das peias do passado.

Somente por meio dessa compreensão se pode ingressar numa dimensão que se encontra fora do âmbito do tempo, a dimensão do eterno agora, a cabal vivência do presente ativo, por meio do discernimento que só se dá pela percepção isenta.

Mas essa percepção isenta, sem avaliação, aprovação nem reprovação, supõe um estado mental “passivamente vigilante”, de consciência pura, somente possível à mente em plena placidez, dissociada das compulsões do desejo e do conflito.

A questão é que essa proposição se depara com a enganosa divisão entre o observador e a coisa observada, o experimentador e a experiência, o que determina uma cisão na consciência, perpetuada pelo mecanismo autoativado do pensamento.

È da própria natureza da linguagem que se estabeleça o circuito da comunicação – emissor-código-receptor –, elementos cuja separação se torna danosa quando se estabelece na mente, visto que gera a divisão entre o pensador e o pensamento.

De natureza essencialmente contraditória, essa cisão constitui a raiz de todos os conflitos e desordens existentes na mente e na sociedade, de modo que, a menos que a compreenda, o indivíduo será sempre escravo de reações condicionadas.

Ainda que superficialmente, pode-se perceber a natureza ilusória da dualidade na autoconsciência ao se verificar que todo movimento do pensador consiste em pensamento, que aquele que percebe, mentalmente, é a própria entidade percebida.

Em outros termos, não existe – a não ser como um reflexo da memória, entretecido pela sucessão ininterrupta de pensamentos –, um lembrador que se recorde de suas lembranças, vale dizer, um experimentador separado de suas experiências.

De fato, se houvesse um lembrador que se recordasse de suas lembranças, haveria de existir outro lembrador do lembrador e um lembrador do lembrador do lembrador... ou seja, psicologicamente, não somos nada mais que nossas recordações.

Expondo a questão de outra maneira, um objeto ou ser não difere de suas qualidades, mas se constitui do somatório destas, de modo que um indivíduo não se distingue de seus sentimentos ou sensações, mas se compõe e se identifica com eles.

No entanto, dividida em si mesma, a autoconsciência gerada pelo processo do pensamento rompe a unidade do ser, assim como sua unidade com o todo, lançando-o a toda sorte de ilusões, impedindo a exata apreciação dos fatos e seres.

Dessa forma, assinala Krishnamurti, apenas quando, pela compreensão da mente por si mesma, dá-se a fusão entre analisador e analisado, pensador e pensamento, torna-se possível a libertação do passado e a manifestação do atemporal.

Nota do editor da Aldeia: Tasso Assunção é escritor e consultor em produção textual; membro fundador da Academia Imperatrizense de Letras - AIL.
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