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"Era tudo que ela queria", diz irmão de Zezinho Maranhão

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Zezinho Maranhão
Zezinho Maranhão era um ícone da música regional da Amazônia. Nascido em
Santa Inês, foi assassinado por uma sobrinha em Porto Velho, capital de Rondônia
Rondônia Agora

Francisco das Chagas Silva, irmão do músico José Alves da Silva, o “Zezinho Maranhão”, morto no último sábado, 7, com 17 facadas por Luorruama Alexandrina Onofre Souza, chegou ao local do crime instantes após a mulher desferir os golpes fatais na vítima, que dormia em um quarto . Ele conta os últimos momentos de vida de “Zezinho”, o perfil da acusada e comenta a decisão judicial que mandou soltá-la.



Um diamante chamado Zezinho


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Nascido em Santa Inês, Estado do Maranhão, a mais ou menos 400 km de São Luís, José Alves da Silva, ainda menino, acompanhava seu pai, Jorge Alves da Silva, e os irmãos nos trabalhos do roçado, com a incumbência de dar água para quem trabalhava e também "aprender que na vida é importante enfrentar a lida", sem nunca sonhar que no futuro a vida reservava-lhe um trabalho de burilar o espírito e alimentar a alma das pessoas com a música de raízes. O pessoal de sua infância tinha uma vida dura, mesmo assim, enquanto enfrentavam a vida cantavam as músicas típicas do Maranhão. O mesmo acontecia com sua mãe, dona Maria Madalena, que, lavando roupa, ia esfregando e dando vazão à suas esperanças cantando lundus, jongos, corimas, modas, incelenças, pontos, toadas do bendito espírito santo e cantos de trabalho. E o filho foi guardando em sua memória aquela maneira especial de cantar, de trabalhar a sonoridade rouca, as letras, o jeito especial de interpretar que viria a registrar anos mais tarde, quando transformou-se, a partir dos anos 85, num dos principais artistas da música rondoniense. Ainda hoje, com seu estilo brejeiro, com sua capacidade única de descrever fatos e lendas de Rondônia e do Norte, Zezinho Maranhão é um diamante em lapidação constante.

Direto da Aldeia informa:
Decisão manda soltar assassina confessa de compositor maranhense

Em 1980 este maranhense poderia ser definido como um diamante bruto. Foi como deu início à sua carreira profissional na cidade de São Paulo, onde cantou pela primeira vez sob a batuta do maestro Záccaro, depois de ter trabalhado por alguns anos como empregado de indústria e como officeboy do Hospital Albert Eistein. Aliás, foi dali que começou a procurar novos estilos para se exprimir musicalmente, ampliando o que tinha aprendido quando cantava no coro da Igreja de Santa Inês, no Maranhão.

- Em São Paulo comecei a freqüentar o bairro boêmio do Bexiga e sempre acabava dando uma palinha, principalmente numa casa que tinha o nome de Persona e também Caleidoscópio. No Bexiga fiz amizade com gente importante na música, como Fernando Mendes, a Fafá, o Raul Seixas. Esse pessoal me influenciava muito.

Na república onde morou em São Paulo os amigos gostavam de ouvi-lo enquanto fazia as tarefas de quem mora só, como passar a ferro a própria roupa. No trabalho, também, Zezinho Maranhão - que na época ainda era apenas José Alves da Silva - recebia incentivos para seguir a carreira artística. Pessoalmente achava difícil mas com as amizades que tinha conseguido entre a boêmia do Bexiga, com o gosto pela arte e pela noite acabou tomando coragem e indo se inscrever em festivais de música como o Fico, Gremac, Sharp, Anglo entre outros.

Seu canto rouco e meio trinado como o do sertanejo de seu Estado estava fora de qualquer padrão estético e até hoje sem qualquer paralelo entre as cantores brasileiros. E foi com certeza esta maneira especial de cantar que levou Zezinho a ser a revelação principal de um festival promovido pelo Colégio Objetivo, em sua sede da Avenida Paulista. A promoção tinha cobertura da TV Gazeta. O cantor maranhense sobressaiu-se de tal maneira que acabou, posteriormente, sendo chamado para fazer parte de um sarau no Teatro Procópio Ferreira. Agradou tanto que cantou 12 músicas.

Um jornalista especializado da paulicéia comparou Zezinho Maranhão ao cantor e guitarrista Fenton Robinson:

- Ele achava que éramos almas gêmeas, não pelo repertório mas pela forma
selvagem e pela maneira que integrava voz e corpo, que se
soltava com todo o tipo de dança...

E não parece exagero: quem ouve hoje o Zezinho Maranhão percebe em suas interpretações muito dos cantores afro norteamericanos e dos próprios brasileiros. A sua ancestrialidade africana permitiu que ele estabelecesse uma ponte do riquíssimo folclore dos terreiros maranhenses, mesclado com a música de nossos ribeirinhos e caboclos amazonenses com a linguagem urbana e contemporânea. Há também um sabor inconfundível do sincretismo brasileiro na sua música.

Esta característica especial Zezinho Maranhão adquiriu aqui em Rondônia, para onde veio e integrou-se aos grupos de músicos como os liderados pelo Bado, Binho, Nonato Baaribu e o próprio Dadá com o pessoal do "Cabeça de Negro". Trocando constantes idéias com o Dadá, Maranhão foi se transformando num diamante cada vez mais lapidado.

- O Adaídes, o nosso Dadá, acrescentou-me muitas informações culturais das nossas raízes afro. Ele é capaz de explicar como ninguém o profundo significado das rezas em nagô e dos cantos em iorubá, bem como dos hinos católicos já que foi seminarista em Manaus. Com o Aldemir Saldanha, que chegou a cantar no côro da igreja quando foi seminarista, também ouvi muitas coisas boas. Pereca, talvez até por origem familiar demonstra profundo respeito pelos pontos de candomblé. Pois é, com todo esse pessoal de Porto Velho participei de movimentos que só enriqueceram minha caminhada musical, meu aprendizado artístico e cultural. Acho até que foi o prazer de participar sempre das rodas de samba, onde sempre tinha o violão do professor Ronildo, das festas dessa pá de gente boa que adotei Rondônia como minha terra. E foi defendendo a música de Rondônia que venci no Festival de Música de Maringá (PR), concorrendo com 90 músicos de 17 estados, nos anos de 97 e 98.

Graças à sua performance, Zezinho Maranhão conseguiu incluir no CD que marca a realização do Festival de Música de Maringá, no 19º e 20º Femuci (Festival de Música Cidade Canção) duas músicas: Porto Rondoniana e A Dança e o Rio, com parceria de Flávio Carneiro, ambas as canções registrando aspectos do regionalismo de nosso Estado. Com suas constantes participações em eventos interestaduais, este maranhense que adotou o nosso Estado vai ser transformando num embaixador cultural rondoniense. Esse afro-brasileiro tem se apresentado em vários locais de Porto Velho mas ainda assim não conseguiu o reconhecimento popular que já faz por merecer de nossa sociedade. Ainda não é um grande vendedor de discos, embora já tenha gravado um compacto e um LP. Mas, a realidade no mundo artístico é assim mesmo: muitas vezes as pessoas dão mais valor à bijuteria do que aos diamantes em fase de lapidação. Quem desejar manter contato com este artista rondoniense pode telefonar para (069) 224-5286.
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