-->

A ilusão temporal e a eternidade do agora

Publicidade
Tasso Assunção

Se fosse possível perguntar a um animal ou a uma árvore: “Que dia é hoje?”, “Que horas são?” – ele ou ela responderiam surpresos: “Que hora mais havia de ser?! É agora, ué!” Isso porque, como são desprovidos da capacidade de formular conceitos, abstrair a realidade por meio de símbolos, os animais vivem em estado natural e desconhecem a noção de tempo.

Em virtude de sua mente analítica, de sua faculdade pensante, de seu intelecto, o locus onde se forja o ego, o homem é o único ser vivo do planeta capaz de se ausentar do único tempo que de fato existe, que é o tempo presente – o agora, de forma que vive como um pêndulo que oscila entre o passado e o futuro, mas nunca entra em contato direto com o presente.

Reflexo da memória gerado pela sucessão ininterrupta de pensamentos que acorrem à mente humana, o ego engendra o tempo e sua divisão em passado, presente e futuro, bem como a ilusória divisão entre o sujeito que observa e a coisa observada, entre o experimentador e a experiência, quando ocorre, em verdade, um processo holístico, unitário, o experimentar.

Ou seja, o ego consiste, de fato, numa identidade artificial, um falso “eu”, nada mais que uma imagem, uma criatura psicológica que se mantém em atividade ao entrar em contato com o presente, mas se compõe e se alimenta do tempo, mais precisamente do tempo passado, que pode até se projetar para o futuro, mas não passa de um mero acúmulo de recordações.

Uma simples análise permite notar que o passado é nada mais que memória, enquanto o futuro nada mais é que uma projeção mental, de forma que se verifica, efetivamente, apenas o presente – o presente ativo –, que é o futuro do passado e o passado do futuro, configurando-se, portanto, um fato único, formado do conjunto de fenômenos próprios da causalidade.

Neste ponto, importa considerar que, quando uma causa produz seu efeito, este, por seu turno, torna-se a causa de outro efeito, e assim consecutivamente, de modo que não se pode observar uma real separação entre ambos, causa e efeito, que representam um movimento indivisível, cuja avaliação e medida denotam a verdadeira estrutura e natureza do tempo.

Incapaz de acompanhar a essência da diversificada e complexa cadeia de fenômenos que constituem a causalidade, matéria-prima do presente ativo, o intelecto, em virtude de seu caráter mecânico, apreende-a por meio de símbolos – palavras, pensamentos – que se estabelecem em forma de engramas nas células cerebrais, os quais compõem o passado, o ego.

A questão é que essa cadeia de impressões que se vai gravando na consciência opera como uma espécie de filtro que determina a qualidade da percepção, condicionando-nos a experiência, de sorte que vemos sempre com os olhos anuviados pelo tempo, traduzindo o presente em conformidade com o passado, mecanismo que é da própria natureza do pensamento.

Aprisionado nesse processo artificial, o cérebro perde o instante vivido, ao interpretá-lo através de ideias e imagens mentais, o que redunda num estilo de vida antinatural, já que, nessas condições, vive-se calculando e tentando prever o futuro, o que causa ansiedade e estresse, ou se voltam os olhos para o passado, o que submerge o indivíduo em apatia e depressão.

Dessa forma, explica-se por que o estresse e a depressão se anunciam como as patologias psicológicas da sociedade de hoje e do futuro, visto que são respostas da mente a um modo de viver artificializado, atado, pelo mecanismo do pensamento automático, à esfera do meramente conceitual e ideológico, apartado da realidade primordial, do eterno aqui e agora.

Como não têm consciência do espaço nem do tempo, bichos e plantas não se veem à volta com problemas que não dizem respeito ao momento presente, do que se poderia deduzir que o homem viveria melhor se também não tivesse conhecimento do aspecto temporal da existência, hipótese em que se tomaria, equivocadamente, contudo, a ignorância por felicidade.

No entanto, se não dispusesse da faculdade intelectiva, o ser humano não teria alcançado os extraordinários avanços sociais e tecnológicos que vem experimentando ao longo das eras, não contaria com a capacidade de planejar e projetar pequenas e grandes realizações, com a liberdade de agir em benefício próprio e do próximo nem com a glória do entendimento.

O problema é que, apesar de suas fabulosas habilidades intelectuais, o homem anseia irracionalmente por segurança, deseja ardentemente a permanência e espera subsistir ad infinitum em um mundo em constante transformação, ou seja, não aceita o fato de que seu corpo sucumbirá, entrará em decomposição, assumirá nova organização atômica e deixará de ser.

Não se dá conta ele de que a ânsia por subsistência, por continuidade, provém do ego, nada mais que uma imagem fictícia e, portanto, ilusória, grosso modo, um animal psíquico, produto da identificação do pensamento com a forma, o nome, a família, a nação, enfim, a experiência, o background, o quadro referencial que conforma a personalidade de cada indivíduo.

A questão é que a almejada continuidade (que de fato se mantém por meio de fluxos de energia autoidentificados responsáveis pelo funcionamento da consciência individual) constitui-se, de modo condicionado, conflitivo e precário, por meio do fio da memória, já que, de fato, não existe, no âmbito da Realidade, a sequência temporal própria do nível cronológico exterior.

Assim, por ignorância, não de fatos e conhecimento científico, mas de si mesmo, o homem mantém encerrado, em algum ponto mais profundo do subconsciente, o medo a essa realidade, o que engendra a fonte básica de todos os conflitos e perturbações psicológicas, da ansiedade e depressão, que são reflexos, na mente consciente, desse temor de não existir.

Portanto, enquanto não superar o processo pensante compulsivo – criador da autoimagem, do fictício ego –, o ser humano não compreenderá que o presente é o único fato imutável, o portador da sua própria essência, eterna e infinita, segundo Jiddu Krishnamurti, “a unidade que está em todas as coisas”, a consciência pura, que com nada se identifica, mas tudo contém.

De fato, ao mais ligeiro exame, pode-se constatar que sempre foi agora e sempre será agora e, embora não se devam esquecer os dados necessários à vivência prática nem descurar compromissos, é apenas no exato momento presente que a vida se faz possível – e somente nele, inteiramente nele, com todas as células – pode-se ingressar na dimensão do intemporal.

A discussão remete, em última instância, ao antigo preceito do autoconhecimento, que exige desvelado exame, permanente vigilância dos próprios pensamentos e sentimentos, isenta observação das motivações, patentes e recônditas, com que se enreda a mente humana, ou seja, árdua investigação da consciência, missão que a bem poucos anima ou interessa.

Nota do editor da Aldeia: Tasso Assunção é escritor e consultor em produção textual, membro fundador da Academia Imperatrizense de Letras - AIL.
Advertisemen