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Marcos Fábio: Filhos tipo exportação

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Marcos Fábio

A Coreia do Sul nunca me pareceu um país tão próximo. Quase um país-irmão para mim, agora. Interesso-me por tudo o que diga respeito a ele: os seus costumes; a sua culinária canina esquisita; a beligerância iminente com a sua gêmea carbonária, a Coreia do Norte, um porco-espinho nuclear; a inovação tecnológica dos seus apetrechos; o seu ensino universitário; os seus metrôs; a sua religião; a hospitalidade do seu povo; a sua música; a sua juventude; enfim, tudo. A Coreia do Sul se me afigurou tão presente porque minha filha está indo estudar lá.

Ela faz parte, com uma boa centena de outros maranhenses, do grupo de alunos universitários que estão sendo ‘exportados’ pelo Programa Ciência Sem Fronteiras, uma iniciativa do Governo Federal com fins de desenvolver, científica e tecnologicamente, algumas áreas em que somos deficitários, como o setor de engenharia, que é o dela. E aí o governo espalha esses meninos e meninas pelo mundo inteiro, pagando bolsas e ajudas de custo, dando o suporte das embaixadas, para que eles retornem com uma cabeça voltada para o desenvolvimento nacional e consigam, em duas ou três décadas, contribuir para fazer o gigante acordar do berço esplêndido. Nada de novo. Os países que hoje despontam no cenário mundial, como Índia, Japão, Coreia do Sul, fizeram isso umas boas décadas antes. Metaforizando, é a velha história da parábola do semeador, que sai espalhando sementes pra depois colher os frutos.

E aí ela se candidatou a uma vaga para a Coreia. “Por que a Coreia, filha?” Eu perguntei, um dia, entre interessado e reticente. “Porque a Coreia é top na área de engenharia, pai.” Foi a resposta seca e positiva dela. Então, tá. E aí ela fez tudo sem a minha interveniência. E eu fiquei meio que de canto, sendo informado das decisões e esperando o dia da viagem...

...que chegou na última sexta, 14h40min, no Aeroporto Internacional de São Luís. Um misto de sentimentos, num breve momento: alegria, orgulho, tristeza, medo, vontade de abraçar, de proteger, de não deixar ir, de ir junto, de aconselhar, de fotografar, de filmar, de dizer, enfim , uma coisa que fique com ela para sempre, de rezar, de benzer o avião, de chorar, de sorrir, de estar junto na aeronave que alçava voo... E ela se foi, feliz, pra uma etapa de um ano do outro lado do mundo, com o namorado, que também faz parte do programa, ambos alunos de engenharia da Uema, ambos para Seul (enfim; novos tempos...).

“O mundo hoje está muito diferente”, me diz meu pai, no domingo, 12h, preparando o almoço. “Antigamente, quando vocês (ele fala de mim e dos meus irmãos) eram menores, eu jamais imaginaria uma coisa assim. No máximo, eu imaginava que vocês fariam um curso técnico, um concurso, e só.” E completa: “Quando vocês eram menores, eu vi o Darcy Ribeiro (o antropólogo, que também era político) mostrar uma pesquisa que dizia que, de mil estudantes pobres do Brasil, somente dois se formavam.”

Hoje são outros os tempos. As estatísticas de acesso da chamada “Classe C”, de onde eu venho, ao ensino superior já bateram a casa dos dois dígitos. As possibilidades de os menos abastados estudarem, fazerem uma graduação, um mestrado e um doutorado estão maiores. Ainda estamos falando de um país muito desigual, registre-se. Mas já não falamos de um país cartesianamente excludente. Ver um pobre na universidade já não dá mais aquela sensação de jardim zoológico.

E pelo mundo, então? Ver esses meninos e meninas decolando, indo para a Inglaterra, Austrália, Canadá, EUA, Espanha, Japão, Coreia do Sul, Itália e tantos outros países, pelo Sem Fronteiras ou outros programas de intercâmbio (sim, existem outros!) já não é uma visão singular. Hoje, a única barreira é a língua; aprendendo a língua-mundo, está-se com um pé numa dessas oportunidades...o resto é com a vontade e a persistência de cada um.

Minha mãe sempre dizia assim: “A gente cria os filhos é pro mundo”. Eu sempre achei que isso era uma metáfora. Parece que não.
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