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Eles passarão... Eu passarinho!

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Poeminha do Contra
Todos esses que ai estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!

(Mário Quintana)
Mário Quintana nasceu em Alegrete-RS em 1906
por Ribamar Silva
e Inês Silva

Existem duas formas de ler poemas. A primeira se restringe ao que o texto diz explicitamente, e que, aliás, é sempre pouco, porque o leitor tem que se conformar com o dito, com o significado do dito pelo autor e isso implica em que o texto poético é tido como um texto qualquer.

A outra forma de ler o poema é entender que sua parte visível, aquela que aflora à superfície da página, assemelha-se à parte visível do iceberg. O leitor que se conforma com esta parte visível, quase sempre se con/forma com a menor parte, com a parte menos significante, que como o próprio termo diz, tem a ver com o significante e não (apenas) com o significado.

O texto, qualquer texto, em seu sentido etimológico, remete a tecido e tecido é trama. Normalmente o tecido é uma trama de fios, de linhas, e não é por acaso que os textos são feitos, tecidos de linhas... De linhas são tramados os textos, qualquer texto, de forma especial o texto poético, quase sempre composto por linhas curtas e poucas, que mais tem o dom de esconder que de revelar, desvelar.

A trama do poema é labirinto, é rede de pescador que deixa passar, mas que também enreda peixes/leitores que se deixam inadvertidamente se prender em suas malhas nem sempre visíveis. Decorre então, que interpretar o poema é se deixar prender em suas malhas, enredar em sua trama no afã de descobrir o dito de forma indireta, o quase dito e até o não dito (explicitamente).

Sabe a sensibilidade do poeta, que a humanidade se divide em pelo menos duas categorias bastante visíveis: aquela que se conforma com o dado e aquela que produz o dado. Ler é perceber o dado, o visível. Interpretar é produzir o dado, é a busca do invisível, do não dito.

A categoria conformada com o que aflora à superfície é composta pelas pessoas normais, que só têm olhos para o evidente. A outra categoria é composta pelos inconformados, não apenas com o texto, com sua mensagem visível, mas com o que subjaz à superfície. São pessoas capazes não apenas de ler textos, mas também de ler contextos; não apenas capazes de admirar o belo, mas de re/construir o belo.

Assim, vamos ao poema de Mário Quintana: como se vê, o poema, quanto à forma, é composto de apenas uma estrofe composta por quatro versos brancos ou livres, irregulares, uma vez que não se deixaram prender ao rigor da formalidade métrica, embora rimem entre si. O primeiro verso rima com o terceiro e o segundo com o quarto, quase dando a entender que se trataria do primeiro quarteto de um soneto.

No que se refere ao fundo, à mensagem, compreende Mário Quintana, que os homens embora participem de uma mesma espécie de seres, os humanos, não são iguais, mas agem e reagem de forma diferente diante do real. Sabe que a maioria de nós, porque conformada com a superfície do iceberg, passará porque nada fará para permanecer, porque só permanecem os que buscam a essência, e como diz Exupéry, o essencial é invisível aos olhos e só se vê bem com o coração.

Os que não buscam o essencial estão ai, inclusive no caminho do poeta, como poderiam estar os entes minerais e vegetais que atravancam o caminho dos que caminham. Passarão, não porque andam, mas porque ficam para traz em relação aos que caminham.

Todos esses que ai estão Atravancando o meu caminho, o caminho do poeta, Eles passarão, não porque andam, mas porque param. O poeta não. Este um diz: Eu passarinho! O poeta não passará, e isso, não exatamente porque escreve poemas, trama textos, cria contextos, mas porque é um ser capaz de sonhar, portanto, um ser inconformado com o real da forma que ele se apresenta.

Pois bem, é essa capacidade de inconformação, que descola os poetas, os loucos e outros seres similares da terra firme, os projeta para o devir, para o vir-a-ser. O poeta não é exatamente um ser imanente, mas transcendente. É a transcendência que lhe confere a possibilidade, não apenas de não passar, mas também de alçar vôos, como sabem os passarinhos. Assim, os poetas não passarão. Passarinho!...
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