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História e destino

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por Vitor Hugo Soares

Na quinta-feira, 28, a quatro dias da votação decisiva para a escolha de seu sucessor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha um compromisso político dos mais importantes no Nordeste. Para muitos, petistas principalmente, um evento considerado crucial diante da cinzenta e tensa conjuntura que cerca de boatos e previsões caóticas e insensatas a votação em segundo turno neste domingo (31).

Lula iria a Recife participar do que se anunciava como apoteótico comício em favor da candidata Dilma Rousseff no estado natal do presidente e na região onde a petista que ele empurra ladeira acima em direção ao seu lugar no Palácio do Planalto, desfruta os números mais confortáveis nas pesquisas de todos os principais institutos.

O comício gorou, para usar a expressão bem nordestina. De manhã, Lula na capital fluminense - mais Fluminense que nunca - exercitava plenamente a tão polêmica quanto estafante dupla função que assumiu desde o começo da campanha: a de chefe de Estado e cabo eleitoral da sua candidata do peito.

Um telefonema da Argentina mudaria tudo em questão de minutos. O imprevisível, a história e o destino outra vez atravessavam os passos e os caminhos do pernambucano de Caetés: o filho de família de retirantes da seca nordestina, operário metalúrgico em São Paulo, pouca escola e quase tudo em cima para dar errado - incluindo mandinga e mau olhado, como ele repete em suas frequentes viagens à Bahia. No entanto, em 2002 chegaria pelo voto ao posto máximo de mando no País.

Qualquer que seja o resultado das urnas amanhã, oito anos e dois mandatos depois, Lula sairá do Palácio do Planalto em janeiro de 2011 na condição de mais popular governante da história do País. Com aprovação de mais de 83% da população brasileira, segundo o mais recente levantamento da CNT/Sensus.

Na quinta-feira, enquanto o presidente ainda estava no Rio, se realizava em Buenos Aires, o velório do ex-presidente Néstor Kirchner. O líder político do justicialismo morrera atingido por um inesperado e fulminante ataque do coração. Nestor, "El pinguino" dos argentinos, repousava com a mulher e presidente Cristina Kirchner, na casa da família à beira das geleiras do Pólo Sul, na província de Rio Gallegos, quando a morte o surpreendeu aos 60 anos.

Informado de que o velório só iria até a madrugada de ontem, porque o corpo seria transladado para sepultamento em cerimônia intima e familiar em Rio Gallegos, Lula mudou sua rota de voo. No Rio cancelou o comício em Pernambuco e seguiu direto para Buenos Aires, onde três horas depois estaria de novo sob os olhos do continente e de boa parte do mundo.

A entrada de Lula na Casa Rosada - mostram bem as imagens do Canal 5, de Buenos Aires - coincidiu com a presença do presidente venezuelano Hugo Chávez "em um momento alto da noite", como descreve com perfeição o jornal "Página 12" em sua edição de sexta-feira. As pessoas - entre elas muita gente jovem que a campanha eleitoral brasileira não conseguiu tocar, mobilizar e muito menos levar para as ruas - se mostram especialmente emocionadas.

Choram, rezam, gritam palavras de ordem reunidas na histórica Plaza de Mayo e no recinto do velório. Bem ao apaixonado estilo da terra, são demonstrações de afeto e respeito aos presidentes visitantes, e de "fuerza" a Cristina.

Diferentemente do venezuelano, que fez um "discurso de chegada", Lula não falou ao aterrisar em território portenho. Preferiu ir diretamente à Casa Rosada. Deixou uma mensagem quando se foi de volta ao Brasil, na qual, como destaca o diário argentino, não só fez referência a suas recordações pessoais de Kirchner, mas também à sua construção política, tanto do país - "recuperou a autoestima dos argentinos" - como da região.

Bom orador, Lula o é melhor ainda em ocasião emotiva, registrou ontem o Página 12. "Eu dizia à companheira Cristina que um homem morre, mas as ideais permanecem. Eu creio que Kirchner foi uma figura que construiu ideias na Argentina. O legado mais importante para os argentinos foi recuperar a autoestima do seu povo, o orgulho, que estavam há duas década e meia praticamente perdidos", completou o presidente brasileiro, que ontem entrou e saiu sob gritos de "Brasil" e "Lula" ouvidos e gravados na Casa Rosada e na Plaza de Mayo.

História e destino. Se o tempo é de fato o senhor da razão, como apregoam sábios e historiadores, mais uma vez fica evidente que é cedo demais para previsões sobre o verdadeiro retrato de Lula e o seu legado para o futuro. Neste ar meio insano e carregado de paixões que se respira por aqui nesses dias de meros interesses eleitorais e de jogo destrutivo de poder, é precipitado principalmente lançar sentenças definitivas sobre o tamanho de Lula: se ele mergulhará no limbo do esquecimento já a partir de segunda-feira, ou se seguirá presente no imaginário e nas referências dos brasileiros - como um Getúlio Vargas ou um Juscelino do século XXI - depois da votação deste histórico 31 de outubro de 2010.

Isso quem dirá é senhor da razão. E o tempo, em casos assim, demora mais em seu julgamento.

Bom voto a todos.

Fonte: Terra Magazzine
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