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Morre Giulio Andreotti, 7 vezes premier da Itália

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Giulio Andreotti

Expresso

Lisboa, Portugal - Giulio Andreotti, figura chave da Itália do pós-guerra, morreu esta manhã aos 94 anos. O político democrata-cristão, que chefiou sete governos, tinha uma saúde frágil há alguns anos e estivera alguns dias hospitalizado no verão passado, devido a problemas cardiorrespiratórios.

Além de ter sido um dos redatores da Constituição italiana depois da II Guerra Mundial, foi deputado durante 60 anos e era senador vitalício desde 1991. Polémico, foi acusado de ligações à Máfia nos anos 1990, mas sempre desmentiu tais alegações e, embora pronunciado naquele que ficaria conhecido como "o julgamento do século", a justiça absolveu-o.

Nascido em Roma em 1919, estudou Direito e militou em movimentos universitários católicos, tolerados a contragosto pelo regime de Benito Mussolini. Durante a Guerra escreveu para a "Rivista del Lavoro" (propaganda fascista), mas também para o jornal clandestino "Il Popolo". A partir de 1944, chefiou a Juventude Democrata-Cristã e, passados dois anos, foi eleito para a Assembleia Constituinte. Nunca mais deixou o Parlamento.



Andreotti iniciou-se no Governo como adjunto do primeiro-ministro Alcide De Gasperi, em 1947. Foi ele quem assinou a lei que estabelece a canção "Canto degli Italiani" como hino nacional. Também presidiu ao comité organizador dos Jogos Olímpicos de 1960, na capital italiana.

O julgamento do século

Ao longo de seis décadas de atividade política foi ministro do Interior, das Finanças, da Defesa e dos Negócios Estrangeiros. Personagem obscura, viu-se envolvido no escândalo Giuffrè (de fraude bancária), em irregularidades ligadas à construção do aeroporto de Fiumicino, em Roma, e em casos mal esclarecidos associados com lojas maçónicas. Enquanto tutelava a Defesa, em 1964, o diretor da polícia militar planeou o golpe de Estado "Piano Solo", que nunca veio a ocorrer. Andreotti ganharia a alcunha "Divo Giulio", referência à expressão latina por que era designado Júlio César, e que viria a dar o nome ao filme "Il Divo", sobre as ligações de Andreotti à Máfia (vencedor do Prémio do Júri no Festival de Cannes de 2008).

Investigado a respeito do assassínio do jornalista Mino Pecorelli, que o acusara de ser mafioso, em 1979, Andreotti foi absolvido após três anos de julgamento, viu a absolvição anulada num recurso em 2002 e confirmada em 2003. Quanto às ligações à Máfia, acabou ilibado por prescrição, tendo o tribunal afirmado que os laços com o crime organizado não só existiam como favoreceram a sua carreira política. Andreotti defendeu-se lembrando as medidas dos seus governos contra a Máfia.

Compromisso histórico

Primeiro-ministro desde 1972, foi o primeiro a tentar o "compromisso histórico" entre democratas-cristãos e comunistas, em que teve papel crucial o seu companheiro de partido e ex-primeiro-ministro Aldo Moro, mais tarde raptado e assassinado pelas Brigadas Vermelhas (terroristas de extrema-esquerda). O papel de Andreotti durante o sequestro de Moro ainda é objeto de debate; a família de Moro sempre criticou a sua recusa em negociar com os raptores. O próprio Moro, em cativeiro, escreveu contra as ações de Andreotti.

Outro parceiro de Governo com quem Andreotti teve relações tensas foi o socialista Bettino Craxi. Abertura aos países do Mediterrâneo, tentativa de contribuir para o fim da Guerra Fria, e reforma do Sistema Nacional de Saúde estão entre as políticas que seguiu. Foi o seu último Governo que aprovou as leis de televisão que reforçaram os monopólios de Silvio Berlusconi, que viria a suceder-lhe. Esse mandato ficaria manchado pelo escândalo de corrupção Tangentopoli. Andreotti demitiu-se em 1992 e foi nomeado senador vitalício.

Não chegou a Presidente da República, como muitos previam, porque o assassínio pela Máfia do juiz Giovanni Falcone e do político Salvo Lima (seu amigo) criou um estado de emergência que conduziu à eleição do mais consensual Oscar Luigi Scalfaro. Em 1994 a Democracia Cristã dissolveu-se enquanto partido. Em 2006 Andreotti perdeu a sua última batalha: candidatou-se a presidente do Senado mas perdeu para o progressista Franco Marini. Dois anos depois, a sua abstenção - e de três outros senadores - numa votação levou à queda do Governo de Romano Prodi, a quem apoiara quase sempre.
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