-->

Imagens raras de João Gilberto correm risco de deterioração

Publicidade
A pedido de Cláudia Faissol, mãe de uma das suas filhas, o músico João Gilberto assinou um memorial para pedir o retorno dos seus primeiros discos ao Brasil. Foto: Tuca Vieira/ Wikipédia/Reprodução

por Claudio Leal

Parte das imagens de um documentário inédito sobre o cotidiano de João Gilberto pode se perder caso não receba o armazenamento adequado. Mãe da filha caçula do músico e autora das gravações, a jornalista e produtora Cláudia Faissol sofreu perdas em discos rígidos e procurou o Ministério da Cultura (MinC) para não comprometer o restante das filmagens. Mas, segundo relata a Terra Magazine, as conversas com o ex-ministro Juca Ferreira não tiveram continuidade na gestão de Ana de Hollanda.

Em 13 de dezembro de 2010, numa reunião com Ferreira em Brasília, Cláudia ouviu a promessa de que um técnico da Cinemateca Brasileira decuparia as imagens, junto com João Gilberto, e veria o estado de conservação. A partir desse primeiro contato, ficaria definido o que será preservado na Cinemateca. "Como trocou o ministério, eu não tive ajuda nenhuma. Estou esperando a decisão da próxima ministra. Se demorar muito, vou perder as imagens. Já perdi tanta coisa valiosa! Já perdi Tom (Jobim) falando, Jorge Amado...", lamenta a produtora.

Na atualidade, ela é uma das pessoas mais próximas a João Gilberto, que mora num apartamento no Leblon, Rio de Janeiro, e segue distante de aparições midiáticas. Por ter conquistado sua confiança, ela filma há 12 anos a intimidade do companheiro. "O HD (disco rígido) não dura mais do que dois anos. É uma pena, porque é uma questão de comprar o equipamento certo e guardar. Já mandei 30 e-mails para lá, não tive nenhuma resposta. Há uma carnavalização desse assunto da Bossa Nova, não levam a sério", acrescenta.

Terra Magazine tentou ouvir o MinC sobre o encaminhamento do pedido, mas, por não ter sido nomeado o novo secretário de Políticas Culturais, ninguém responde pelo assunto. Funcionários não se sentiram autorizados a dar informações a respeito, e outros não sabiam do que se tratava. O secretário-executivo, Vitor Ortiz, não retornou aos telefonemas.

Briga com a EMI
Cláudia Faissol pediu o apoio do MinC no processo de João Gilberto contra a gravadora britânica EMI, detentora do catálogo da Odeon. A briga envolve os discos "Chega de Saudade" (1959), "O Amor, o Sorriso e a Flor" (1960) e "João Gilberto" (1961), remasterizados sem a aprovação final do músico, que acusa a gravadora de ter retirado frequências e deformado as gravações originais. Em 1992, a EMI reuniu os três álbuns num só, "O Mito", alvo do pedido de indenização por danos morais e materiais.

A companheira de João Gilberto atribui o seu isolamento mais intenso, nas últimas duas décadas, a essa pendenga judicial. "Os três primeiros discos que trouxeram a Bossa Nova ao mundo estão na mão dos ingleses. A gente constatou que os masters daqui não são os masters", relata Cláudia. "Se a Inglaterra não devolver esse patrimônio cultural brasileiro, nunca mais a gente vai ver como eles eram".

Assustada com a venda do disco "Chega de Saudade" na loja virtual Amazon - ainda no ar, em 2011 -, ela decidiu priorizar a batalha judicial com a EMI. E obteve a assinatura de João Gilberto num memorial em que pede a volta dos discos ao País. "Esse disco na Amazon é uma cópia pirata", informa.

Desde 2009, tenta mobilizar o governo brasileiro em torno da questão. "Já procurei falar com Gilberto Carvalho, com a presidente Dilma. É preciso entender o tamanho da questão humana e artística. Precisa ter um alinhamento dos órgãos diversos, das relações exteriores, para conseguir uma resposta da Inglaterra", afirma. "No caso do documentário, dois HDs deram pau, várias fitas se quebraram. Não sei se tem ou não tem como recuperar. Quando Juca saiu, empacotei tudo. João já tinha me avisado que seria assim. Estou com vergonha".

"¡Salud! João Gilberto"
Em 2009, a produtora teve três projetos relacionados à Bossa Nova arquivados pelo MinC. Ela reapresentou um deles, associado ao jazz singer americano Jon Hendricks, visto como um dos melhores tradutores das canções do movimento. Em 1967, Hendricks gravou o disco "¡Salud! João Gilberto, Originator of the Bossa Nova", uma homenagem ao mestre brasileiro. Cláudia Faissol pretende trazer o músico americano ao Brasil, para realizar shows e gravar com João Gilberto.


"O João aceitou fazer alguma coisa com ele. E olha que isso é difícil", relata a produtora, que se queixa da ausência de apoio financeiro. "Minha última esperança é a Bahia". Este ano, ela escreveu uma carta ao governador baiano Jaques Wagner (PT) e o projeto foi encaminhado à secretaria estadual da Cultura. "Já recebi o Jon Hendricks no festival (Tudo é jazz) de Ouro Preto, em setembro (de 2010). Queria levá-lo pra apertar a mão do ministro, ele ganhou a chave de ouro", conta.

Em recente artigo no jornal "O Globo", o compositor Caetano Veloso expôs sua audição tardia do disco de Hendricks. "Ouvi-o só uma vez, na casa de Moreno (Veloso, seu filho), e fui pro banheiro chorar. Quer dizer: chorei na sala um pouco mas fui assoar o nariz e quando me vi sozinho, redobrei o choro", descreveu.

"Li pouco do que está no encarte. O essencial: Hendricks diz que conheceu João em Nova York e que isso foi uma das maiores lições de canto que ele teve na vida, só superada pela audição direta de Louis Armstrong, em outra ocasião. É isso: João Gilberto e Louis Armstrong. Eu também não faço por menos", prosseguiu Caetano.

"João chama esse cara de Louis Armstrong da Bossa Nova", conta Cláudia Faissol, que se diz decepcionada com o tratamento da imprensa e dos políticos à obra do craque da Bossa Nova. "Isso aqui é muito primário. Só querem saber se ele vai sair do apartamento, só ficam atrás dos vizinhos dele... Isso me choca".

Fonte: Terra Magazzine
Advertisemen