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Steven Spielberg está de volta e não está prosa

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por Carol Almeida

Spielberg no set de Tintim: do boné ao chapéu, do Super 8 ao Motion Capture
A conversa ainda começava a engatar no ritmo protocolar dos goles d'água e café quando uma das jornalistas que se sentava à mesa jogou a isca: "Spielberg parece estar em todos os lugares agora, não é?". No que o ator Hugh Jackman, entrevistado do dia, respondeu em um sorriso sucinto: "Ele é um homem ocupado, vocês sabem". Não seria impreciso dizer que boa parte dos presentes pensou com seus botões: "Mais ocupado do que nunca".

O bate-papo acima descrito com Wolverine, também conhecido como Hugh Jackman, aconteceu recentemente como parte da primeira leva de contato com a imprensa sobre Gigantes de Aço, título que chega aos cinemas em outubro deste ano e faz parte do pacote de seis filmes produzidos, sendo dois também dirigidos, por Steven Spielberg que estreia nos EUA em 2011, somando-se ainda três seriados, um filme criado exclusivamente para TV e, claro, todas aquelas produções anunciadas e já agendadas para 2012, 13, 14 e 15, sem contar o recém-confirmado Jurassic Park 4.

O raciocínio pode até partir de uma constatação matemática: nunca um só ano reuniu tantas produções carimbadas por ele. Mas os ventos que sopram das colinas de Hollywood nos dizem que o pai de E.T. está voltando a estabelecer contatos imediatos de terceiro grau com seu público cativo e, quem sabe, com a crítica tão acostumada a nutrir essa relação de tapas e beijos com o diretor e produtor mais poderoso da América. Portanto, não estamos falando apenas do Spielberg homem de negócios que atende pelo "S" do estúdio DreamWorks SKG. Mas do Spielberg cuja adolescência tardia é talentosa em contar e recontar a trajetória de suas obsessões favoritas: robôs sentimentais, alienígenas e, claro, os meninos de uma encantadora virgindade de mundo. Por trás desses elementos, a base de todo e qualquer filme com a marca de sua direção e/ou produção: como os humanos lidam, pacificamente ou belicamente, com criaturas estranhas, sejam elas máquinas, extra-terrestres ou mesmo gente, naquela reinvenção eterna da fábula americana de quem somos nós e quem são os outros.

Eis então que, após um hiato de uma década sem dirigir um bom pipocão dentro de suas premissas (esqueça os mais recentes Indiana Jones e Guerra dos Mundos, porque fala-se aqui de A.I. Inteligência Artificial) - Spielberg tem tudo este ano para mostrar que nunca perdeu a combinação da diversão inteligente e muito menos sua deidade entre as gerações posteriores de diretores de cinema. Para provar isso, algumas evidências dão conta desse retorno em grande estilo. Vejamos:

Super 8
Estreia no Brasil no próximo dia 12 de agosto

Brincando nos campos do senhor
Apesar de não ser um filme dirigido por Spielberg, esta é possivelmente a trama mais Spielberg dos últimos anos. O novo trabalho de J.J. Abrams (Lost, Star Trek) é não apenas uma produção assinada por Spielberg, mas acima de tudo uma grande reverência ao próprio. Abrams, cara esperto e talentoso, tem um dedo de ouro para sucessos de público e crítica e, assim como seu herói, parece esconder por trás dos óculos de grau um certo superpoder de Clark Kent. Fez em Super 8 o que Dawson Leery falhou em realizar durante as seis temporadas de Dawson's Creek: construiu um filme-tributo ao homem que amadureceu o cinema de entretenimento - mas há quem tenha dito "infantilizou" a cultura fílmica (Pauline Kael) - em títulos que passariam ilesos pelo tempo.

Super 8 é Abrams brincando nos campos do senhor-seu-mestre. Com uma fotografia especialmente preocupada em acertar o tom da cor dos anos 1970, o filme passeia por cenários e cenas que reproduzem - para não dizer decalcam - o ambiente e, mais particularmente, a energia de onde nasceram filmes como E.T. e Os Goonies, tendo sido este último produzido e pensado por Spielberg. Em sinopse, o filme é sobre uma pequena cidade em alerta com a presença de uma misteriosa criatura. Mas na realidade de sua ficção, este é um filme sobre o cinema, particularmente o cinema que Spielberg ajudou a sedimentar, com a alta voltagem dos adolescentes em suas descobertas: o primeiro queixo caído, a primeira fuga, o primeiro beijo. E neste caso, as primeiras filmagens.

Charles (Riley Griffiths), personagem melhor amigo do protagonista, é uma versão um pouco acima do peso para quem um dia foi tanto Abrams quanto Spielberg: crianças que projetavam no cinema todo excedente hormonal. Obcecado pelas técnicas de filmagens (e por "valores de produção"), Charles tenta narrar uma história no combo romance + comédia + ação + terror, emulando o que o próprio *Super 8* reproduz em cena. E sua devoção ao cinema é reafirmada mais adiante na história quando nos damos conta que só a câmera capta a verdade. Não interessa se real, mas certamente verdade.

Ele conta com a ajuda dos amigos de colégio: um especialista em explosões e efeitos especiais, outro com pinta de galã, o assistente de som, a menina com talento nato para atuação (uma interpretação de interpretação nada menos que brilhante de Elle Fanning) e ele, o protagonista, um jovem obcecado por maquiagem e construção de maquetes. Porque se há uma criatura estranha lá fora, importante mesmo é saber que, ali dentro, há um time unido em torno de um propósito. E não há nenhuma outra indústria criativa que demande mais espírito de equipe que o cinema.

Terra Nova
Ctrl + Alt + Del na humanidade
Produzida e inspecionada de perto por Spielberg, a estreia desta série está marcada para 1º de setembro, nos Estados Unidos, e os episódios serão exibidos pelo canal Fox. A história se passa em um futuro setado a partir do ano de 2149 e, portanto, se trata de uma ficção científica sobre um mundo pós-apocalíptico, algo familiar a Spielberg. Se faz muito suspense sobre os primeiros episódios desta que é uma superprodução para TV, com um volume de computação gráfica e efeitos especiais bem acima da média para uma série de televisão, o que também pode dificultar sua sobrevivência.

Traz adolescentes ansiosos, dinossauros famintos e paraísos perdidos. Quase como juntar refrigerante, batata frita e sanduíche no mesmo lugar. Segue a corrente de fim dos tempos que está cada vez mais em moda (2012 batendo aí na porta) e que é hoje reproduzida em outras séries como V, a genial The Walking Dead, e a nova Falling Skies, sendo esta última também produzida por Spielberg e razoavelmente bem recebida em seus primeiros episódios. Por tudo que foi divulgado até agora, Terra Nova soa como uma mistura de Lost, Avatar e Jurassic Park. Se conseguir reunir o mistério do primeiro, o impacto do segundo e a moral familiar do terceiro, tem tudo para dar muito certo.

As Aventuras de Tintim
Tintim, Milu e o Papai Noel
Como o próprio Spielberg confirmou recentemente na San Diego Comic Con:

Tintim, o repórter aventureiro, é seu jovem Indiana Jones. Mas não só isso.

É o primeiro longa após três anos, é a adaptação do grande personagem de Hergé e ícone da cultura pop europeia (desconhecido, aliás, pela maioria dos americanos), e é o artista se reencontrando cientista, disposto a fazer e refazer cálculos que o levem agora a novas etapas da tecnologia motion capture. Mas, sobretudo, é a hora de Spielberg mostrar por que ele vive atualmente um momento mais Amblin, a produtora, e menos DreamWorks, o estúdio.

Em outras palavras, é Spielberg retomando aquele ambiente criativo das aventuras sem medidas que fizeram da Amblin a quintessência profissional de Hollywood, dos artistas que não careciam de pisar o pé no chão, porque o limite era inconstitucional. Com a criação da DreamWorks em meados dos anos 1990, a Amblin de Spielberg precisou se adaptar ao modelo corporativo do mais jovem estúdio hollywoodiano, ainda que o peso do S da tríade SKG (completada por Jeffrey Katzenberg e David Geffen) fosse sempre maior.

E Tintim, com todo esse filtro da tecnologia de motion capture sendo aplicada em uma animação, é curiosamente Spielberg pegando na câmera de novo. Ou como relatou seu novo parceiro no crime, Peter Jackson, produtor do filme, foi a hora de ver "Steven" filmando mais uma vez, quase como se ele estivesse voltando aos tempos em que fazia Super 8. A lembrar que a estreia de Tintim nos cinemas acontece em dezembro e, espera-se, este seja um bom presente de Natal.

War Horse
Corcel Negro reloaded
Ainda não é possível falar muito sobre esse projeto, mas vamos aos fatos: 1) É mais uma direção e produção de Spielberg. 2) Será lançado no Brasil em janeiro, poucas semanas após As Aventuras de Tintim. 3) Tem um menino como protagonista. 4) Tem um cavalo como a criatura. 5) Tem guerra. 6) E tem um trailer encomendado para fazer chorar e partir corações. Em suma: é como trazer de volta o Corcel Negro no olhar de quem sabe resignificar o épico.

Nota do Terra Magazine: Carol Almeida é jornalista, mestre em comunicação pela UFPE, vencedora do prêmio Herzog em 2009 e devota de tudo o que diz respeito à cultura pop.
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