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Morrer e Desaparecer

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Marcos Fábio

Tenho um poema, escrito há alguns anos, que diz assim: “Periodicamente/Os meus fantasmas querem me atirar/ No precipício/E eu resisto:/Agarro-me das pedras e não caio/Porque morrer não dói/Mas é fatal.” E é bem isso: morrer é fatal. Um minuto, um segundo, e você não está mais nesse mundo, nesse corpo (para os que creem que temos um espírito), nessa galáxia (para quem acredita que somos ETs) ou em lugar nenhum (para os adeptos do “morreu, acabou-se”). No entanto, mais fatal do que morrer é desaparecer.

Marcos Fábio, do campus da Ufma de Imperatriz
Sim, não penso que sejam a mesma coisa. Morrer é deixar de existir. Desaparecer é apagar o rastro que você deixou por onde passou. Desaparecer, nesse sentido, então, é muito pior, é muito mais fatal. Eu não tenho medo de morrer. Tenho medo é de desaparecer.

Desaparece aquele que não deixa uma nada de importante feito (ao menos, para outrem que não seja seus parentes do “núcleo duro”, os que lhe guardam alguma afeição, os que lhe devotam um amor incondicional); nenhuma construção – física, intelectual, simbólica, material ou imaterial; nada que mereça ser alvo de curiosidade pública no porvir – seja este porvir perto ou longe.

Por isso que existe aquele dístico a afirmar que todo Homem tem que plantar uma árvore, publicar um livro e ter um filho, para que sua vida tenha a sensação de ter valido a pena. Na verdade, não é para que a vida tenha valido a pena. É para que essa pessoa não desapareça, considerando-se que um filho, um livro e uma árvore trazem, em si, uma concepção de longevidade memorial, de perenidade.

E, em tempos de internet, de volatilidade das memórias de longo prazo, cada vez mais a duração das lembranças tem vida menor. Quer ver? Você se lembra do último livro que leu? Ou do último filme que viu? Ou da roupa que estava vestindo ontem? Você se lembra da última palestra a que assistiu – como era mesmo o nome do palestrante?? É próprio desses tempos, somos tão intensamente assaltados por estímulos de informação que, ao fim e ao cabo, não nos lembramos de nada – ou de muito pouca coisa.

O resultado disso? Se quisermos não desaparecer, teremos que fazer um esforço muito maior. Plantar mais árvores, ter mais filhos, publicar mais livros. Mas também podemos substituir essas coisas por fazer boas ações que alcancem mais gente, fundar uma ONG séria, produzir filmes, pintar quadros, lançar discos, dizer algo que, realmente, valha a pena ser dito e “viralizado”, ocupar com qualidade o espaço público, melhorar o mundo com boas propostas. Nada impede que, fazendo cada uma dessas coisas (ou todas juntas), não sejamos esquecidos rapidamente. Mas a chance de apenas morrermos é muito maior...

Um dia desses, passando por uma cidadezinha no percurso São Luís-Imperatriz, vi uma escola com o nome de uma professora da Ufma, com quem trabalhei no antigo Cefet. Fiquei feliz, porque sei do seu compromisso com a educação. E agora percebo que ela, ali naquele gesto, não desaparecerá. Mas ninguém precisa esperar virar nome de prédio para não desaparecer. Uma coleção de lembranças afetuosas das pessoas com quem você contribuiu já tá valendo.

Nota do editor da Aldeia: Marcos Fábio Belo Matos é professor doutor do curso de jornalismo da Universidade Federal do Maranhão em Imperatriz.
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