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"Nunca imaginei que tantos morreriam na revolução", diz sírio

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por Tariq Saleh

Um ano após o início do levante popular, no dia 15 de março, dois sírios voltaram a falar com o Terra sobre seus dramas, o que mudou desde então e o que esperam da revolução na Síria, cada vez mais próxima de uma guerra civil.

"Sabia que seria difícil, mas a violência fugiu ao controle dos dois lados", conta Fezzo no balanço do um ano de conflito
Os sírios Mohamed Fezzo, 32 anos, e Jamil Saeb, 35, eram pessoas comuns quando viraram ativistas depois que os habitantes de várias cidades na Síria foram às ruas protestar contra o governo há um ano. Quando os encontrei, naquela tarde quente de julho em Antakia, no sul da Turquia, a "revolução" já durava quatro meses e não havia sinais de que os protestos pacíficos até então teriam o adicional de conflitos armados entre tropas do governo e milícias da oposição, hoje o conhecido Exército Livre da Síria.

"Nunca imaginei que tantas pessoas morreriam na revolução. Sabia que seria difícil, mas a violência fugiu ao controle dos dois lados", disse Mohamed Fezzo, por telefone, do vilarejo turco de Guvaçi, na fronteira com a Síria.

Na época, com quatro meses de protestos, cerca de 2 mil pessoas já haviam morrido devido à repressão do governo contra os manifestantes. Hoje, segundo a oposição síria e agências humanitárias internacionais, são cerca de 9 mil os mortos. O governo sírio alega que combate "terroristas e gangues armadas" e que mais de 2 mil membros de suas forças de segurança já morreram.

"Na época, achavámos que poderíamos derrubar o regime com protestos pacíficos e chamando a atenção da comunidade internacional. Acho que éramos ingênuos, não sabíamos da dimensão e importância da Síria dentro do jogo de interesses na região", salientou Jamil Saeb.

Vivendo no limbo
Não era difícil chamar a atenção da mídia internacional naquele verão do ano passado no sul da Turquia. Com o acesso de jornalistas estrangeiros sendo restringidos pelo governo sírio e as rotas ilegais à Síria ainda muito vigiadas pelo Exército, a única possibilidade era rumar para fronteira turca.

Na época, mais de 10 mil refugiados recém haviam fugido para a Turquia após as tropas do governo tomarem cidades do norte da Síria. Os dois, Fezzo e Saeb, estavam entre eles e logo começaram a ajudar aqueles que precisavam de comida, medicamentos e outras necessidades. "Éramos ativistas pró-democracia e agentes humanitários ao mesmo tempo. Não éramos profissionais em nenhuma das duas áreas, mas fazíamos o que estava ao nosso alcance", falou Saeb.

O sul da Turquia era a grande notícia para os jornalistas: refugiados, ativistas e alguns desertores do exército sírio, que buscaram refúgio em pequenas cidades ao longo da fronteira turca. Esses mesmos desertores, muitos oficiais, formariam o Exército Livre da Síria para combater as tropas governamentais e que, hoje, abriga os comandantes mais graduados do grupo.

Um ano depois, Mohamed Fezzo contou que os refugiados foram esquecidos e vivem, hoje, em uma espécie de "limbo". "O governo turco tenta controlar tudo que entra e sai dos campos de refugiados, e dificulta a entrada de jornalistas".

Para Saeb, com a militarização do levante popular antigoverno na Síria, o foco passou a ser o conflito e jornalistas passaram a se preocupar em ter acesso ao território sírio. Ele explica que, hoje, jornalistas vão ao sul da Turquia para se encontrar com líderes militares da oposição e rumam para o lado sírio usando rotas de contrabando ou das milícias.

"Claro que isso é importante, estar lá dentro, ver de perto o que está acontecendo em cidades como Homs e Idlib. Mas os refugiados foram esquecidos, tanto pelo governo turco quanto pelo resto da comunidade e mídia internacionais", disse.

Saudade
Na vida de Mohamed Fezzo pouco mudou em relação ao ano passado. Na época, sua esposa e seus dois filhos pequenos haviam acabado de deixar a Síria para se juntarem a ele na Turquia. Naturais da pequena cidade de Kherbet al-Loz, no norte sírio, a família mora em Guvaçi, na fronteira, de onde Fezzo continua olhando a Síria do alto de uma colina e ajudando ativistas, que chegam da Síria trazendo informações para serem repassadas à mídia e organizações de direitos humanos.

"Optei por continuar meu trabalho de ativismo, não acho que eu tenha a coragem para entrar no exército rebelde e lutar contra tropas do governo. Ainda acredito na queda do regime e não desistiremos", enfatizou.

Para Saeb, o conflito que cresce na Síria é motivo de muita preocupação, já que há alguns meses o objeitvo era a derrubada do governo e a união dos diferentes grupos para um processo de transição. "Sinceramente, já não sei mais o que pensar. Me preocupa essa divisão na oposição de forma política. E me preocupa a falta de comando central do exército rebelde. O futuro é incerto agora pra Síria. O único objetivo que continua é derrubar Bashar al-Assad e seu regime".

Tanto Fezzo quanto Saeb tiveram que fugir às pressas da Síria há um ano, com medo de serem presos e torturados pela polícia secreta do governo. Os dois têm histórias parecidas, de ativismo, de medos, de superação. Mas diferem em apenas uma coisa: Fezzo tem a companhia de sua esposa e filhos.

Quando me despedi de Saeb no verão do ano passado, ele lamentava a saudade que sentia de sua namorada Alia, que morava em Latakia, na costa da Síria, também sua cidade natal. Os pais dela eram a favor do presidente Assad e eram contrários ao namoro dos dois. Apenas alguns telefonemas escondidos aplacavam a dor de não estarem juntos. As palavras da namorada, que dizia sentir orgulho de Saeb, o deixava mais forte apra eguir em frente.

"Um ano depois, continuo sem vê-la, falamos pouco, ainda menos do que antes. Sinto demais a falta dela. Mas, talvez, isso seja secundário diante de tanta morte, violência e destruição na Síria. Ainda tenho fé que vou reencontrá-la".

Fonte: Terra

Fotos: Reprodução - Terra e AFP

Refugiados sírios encenam uma manifestação contra o presidente, Bashar al-Assad, em campo de expatriados em Antakya, na Turquia. Cerca de mil refugiados, incluindo um general desertor, cruzaram a fronteira turca nas últimas 24 horas. Enquanto a crise síria se intensifica no dia em que a Primavera Árabe completa um ano, a Turquia acusa o governo de Assad de plantar minas ao longo das rotas utilizadas pelos refugiados na fronteira
Refugiados mostram suas crianças durante chegada ao acampamento de expatriados em Antakya
Barracas foram montadas para receber os sírios que deixaram seu país por causa da crise de violência
Cerca de mil refugiados, incluindo um general desertor, cruzaram a fronteira turca nas últimas 24 horas
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