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Assistir a este longa brasileiro depois de longos meses de exibição pode apresentar algumas dificuldades. É complicado escapar à repercussão da mídia, aos prêmios, ao grande número de rankings “melhores de 2011” em que O Palhaço figurou. Falaram em “maturidade artística” do diretor e ator Selton Mello, em “ator completo”, em alguém que teria um código de ética exemplar durante as filmagens, respeitando todos ao redor. Alguém que teria conseguido conciliar crítica e público numa produção de orçamento modesto.Um palhaço depressivo, uma trupe patética e referências ao humor agridoce de Wes Anderson são os elementos de base desta diversão simples e acadêmica |
Pelo menos metade dos planos fizeram pensar diretamente em Wes Anderson e seus Viagem à Darjeeling Limited, Os Excêntricos Tenenbaums e outros, e fica difícil imaginar que o diretor não tenha se inspirado diretamente deste humor mágico-patético. As regras andersonianas estão todas lá: o conjunto de seres depressivos em busca de um lugar na sociedade, a conjunto que se posiciona no exato centro do quadro, olhando em direção à câmera, enquanto frases curtas e de uma comicidade agridoce são proferidas em cadeia. Em Darjeeling, os irmãos infelizes faziam piadas sobre o cinto usado por um deles; em O Palhaço, existem piadas de sutiã, de desodorante, de cachorro. Ferrugem, Moacyr Franco e Tony Tonelada são alguns destes personagens irreais que expandem a noção de circo e de espetáculo para toda a população.
À esquerda: O Palhaço e à direita: Os Excêntricos Tenenbaums |
Como poderia se esperar de uma produção agridoce, a evidente comicidade de todos os protagonistas contrasta com a tristeza do palhaço, o protagonista – o diretor, roteirista, ator e montador Selton Mello. Contrariamente ao Pierrot trágico (“Ria, palhaço, do seu coração partido / Ria da tristeza que envenena seu coração”, dizia a ópera), este palhaço pós-moderno é apenas depressivo, egocêntrico, e sua tristeza é toda pessoal. Por razões desconhecidas, ele está em crise de identidade, perdeu a vontade de ser palhaço.
“Eu não consigo mais”, ele diz ao pai, e o espectador pode se perguntar o porquê, sem que as respostas venham. A depressão, o stress e essas condições médicas modernas parecem bastar por si mesmas, elas nunca precisam de causa ou de consequência, o que as torna um elemento narrativo tão útil ao cinema quanto um câncer, que pode subitamente atingir qualquer personagem quando a história busca um grau superior de dramaticidade. Tanto a depressão do palhaço quanto sua relação ambígua com o pai, ou com o símbolo do ventilador, são deixados em suspenso, à interpretação do espectador.
Cena de 'O Palhaço', de Selton Mello |
O Palhaço termina sendo um filme “correto”, numa conotação sobretudo negativa: o diretor sabe posicionar uma câmera, sabe copiar referências cinematográficas, mas seus personagens, como parentes distantes e pobres dos burgueses arrogantes de Feliz Natal, são todos rasos, acessórios, meros receptáculos de alegria (os coadjuvantes) ou de tristeza (o palhaço). Como na lógica simples do humor circense, este filme também funciona na sucessão entre o riso e o choro – e vale lembrar que o fato de “despertar emoções” é considerado até hoje uma qualidade cinematográfica por muitas pessoas. Por isto estes palhaços, tanto os que moram dentro ou fora do circo, sorriem, fazem tudo para agradar o público, sendo apenas marionetes sem vida, personagens sem história, espetáculo pelo espetáculo.
O Palhaço (2011)
Filme brasileiro dirigido por Selton Mello.
Com Selton Mello, Paulo José, Larissa Manoela, Giselle Motta, Teuda Bara, Álamo Facó, Erom Cordeiro, Hossem Minussi, Fabiana Karla.
Fonte: Discurso-Imagem
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