-->

Vencedor de prêmio literário luso-brasileiro desafia golpistas

Publicidade
Roberto Freire, Jorge Cabral e Raduan Nassar na entrega do Prêmio Camões. (Foto destacada: Marcos Alves, O Globo)

Discurso de Raduan Nassar contra Temer durante prêmio literário irrita ministro da Cultura

Um dos maiores escritores brasileiros, o paulista Raduan Nassar, professa que aposentou a caneta há mais de 30 anos, mas demonstra que não a força de sua voz. Autor de romances seminais da literatura brasileira, Lavoura Arcaica e Um copo de cólera, Raduan foi convocado na manhã desta sexta-feira ao Museu Lasar Segall, em São Paulo, para receber o Prêmio Camões de 2016 – entregue a cada ano pelos governos de Brasil e de Portugal a escritores expressivos da língua portuguesa. Direto, ainda que polido, ele aproveitou a oportunidade para se manifestar contra o Governo de Michel Temer, referindo-se a ele como “repressor”.

O discurso de Raduan foi forte, ainda que breve. Depois de confessar “dificuldade para entender o Prêmio Camões, ainda que concedido pelo voto unânime do júri” e agradecer a Portugal, o escritor disse que “infelizmente, nada é tão azul no nosso Brasil” e que “vivemos tempos sombrios, muito sombrios”. Sua fala fez menção a episódios recentes da agitada vida política nacional, como a “invasão na sede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo”, a “invasão nas escolas de ensino médio em muitos estados” e a “violência contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua”. “Episódios perpetrados por Alexandre de Moraes”, a quem o escritor se referiu como “figura exótica indicada agora para o Supremo Tribunal Federal”. Ao STF, Raduan dirigiu duras críticas, questionando a nomeação do ministro Moreira Franco, citado na Operação Lava Jato, e recordando, por comparação, o imbróglio em torno da nomeação de Lula à Casa Civil em 2015.

As reações dos presentes foram imediatas e se acirraram quando, depois da fala de Jorge Cabral, o ministro Roberto Freire deixou de lado o discurso que trazia impresso para “lamentar”, como disse, o ocorrido. “O Brasil de hoje assiste perplexo a algumas pessoas da nossa geração, que têm o privilégio de dar exemplos e que viveram um efetivo golpe nos anos 60 do século passado, e que dão exatamente o inverso”, reagiu. Diante de gritos e vaias e da interrupção da sua intervenção algumas vezes por alguns dos presentes, o ministro reagiu dizendo que “é fácil fazer protesto em momentos de governo democrático como o atual” e que “quem dá prêmio a adversário político não é a ditadura!".


Diante da declaração de Freire de que “é um adversário político do Governo recebendo um prêmio do Governo que ele considera ilegítimo”, escritores presentes no evento ressaltaram que o Prêmio Camões 2016 foi anunciado em maio de 2016, quando o impeachment ainda não havia sido concluído. “É preciso ressaltar que ele aceitou o prêmio em maio do ano passado, quando o Governo ainda era o de Dilma Rousseff”, destacou Milton Hatoum. Segundo o escritor amazonense, autor do premiado romance Dois irmãos, entre outros, o governo atual “adiou por muito tempo a entrega desse prêmio, justamente por medo dessa repercussão”. No meio, o discurso político de Nassar – que se manifestou contra o impeachment anteriormente – já era esperado por todos.

Ao final da premiação, muitas pessoas procuraram Raduan Nassar para parabenizá-lo pela honraria e também por suas palavras. Houve também quem se dirigisse “envergonhado” à equipe do ministro, que deixou o museu poucos minutos depois de intervir, e também aos assessores do embaixador português com pedidos de “desculpas”. Discreto, Nassar, à sua vez, conclui que “não há como ficar calado”.

Camila Morais, El País
Advertisemen