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O desespero da mídia para defender o golpe

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Arpeggio - Análise Diária da Conjuntura, 06/09/2016

O vício adversativo da mídia voltou, agora com sentido inverso. Antes era sempre algo assim:
Vendas aumentam, mas analistas prevêem que alta não irá durar 
Comércio cresce 4% no mês, mas é pior dos últimos três anos
Agora, a coisa vem assim, como nessa chamada no site da Folha:

Mas ritmo de piora desacelera...
Miriam Leitão estreou o novo estilo. Todo o dia, diante das novas quedas na economia, ela fala em "desaceleração" do desastre. Como não é possível que a economia continue caindo até desaparecer, um dia ela vai acertar.

No Estadão, Eliane Cantanhede aposta mais alto e diz que "o insucesso de Temer seria o insucesso geral".

O chapa-branquismo da mídia tradicional, após os primeiros meses de transição, em que o ritmo frenético imposto pela Lava Jato ainda não fora controlado, voltou ao que sempre foi nas últimas décadas.

Não podemos esquecer que a mídia brasileira de hoje é a a mídia que apenas sobreviveu à ditadura porque aderiu à ela - entusiasticamente até o momento em que verificou que seria bom para os negócios começar a posar de crítica.

Entretanto, o cenário econômico não é nada bom. O PIB do segundo trimestre caiu 0,6%, mais do que o esperado, e o mercado - segundo boletim apurado pelo Banco Central - agora projeta uma queda de 3,20% do PIB em 2016.

Para o ano que vem, porém, o mesmo mercado ajustou para cima o crescimento, que passou de 1,23% para 1,30%. Em 2018, o crescimento continua estimado em 2%.

Nos últimos 12 meses, a conta do golpe foi terrível: queda de 4,9% no PIB. Esse é preço de um processo de instabilidade política poucas vezes vivido na história brasileira, alimentado por setores do judiciário acumpliciados a uma agenda político-midiática.

Por falar em agenda político-midiática, a Procuradoria Geral da República decidiu estender a Lava Jato até setembro de 2017. A alta meganhagem do Estado atingiu, com a Lava Jato, o ápice de seu poder e não quer mais largá-lo.

A Lava Jato dominou de maneira espetacular a agenda política, e, na medida em que seus operadores priorizam, deliberadamente, alguns órgãos de imprensa, ajudou a mídia tradicional, até então decadente, com declínio acelerado de audiência, a voltar ao centro do poder.

A operação foi uma das articuladoras principais do golpe, visto que suas prisões, conduções coercitivas, entrevistas coletivas, vazamentos, seguiram uma agenda estritamente conectada aos objetivos das forças midiáticas que trabalhavam pelo impeachment.

O aspecto paradoxal da situação é que a força dessas instituições que se tornaram golpistas veio exatamente dos governos do PT, embora não seja possível mensurar até que ponto o partido poderia resistir a um movimento maior que ele: o conservadorismo brasileiro usa, historicamente, as bandeiras da corrupção para criminalizar os adversários.

O risco real corrido pelo país é que a Lava Jato, ou operações similares, continuem o processo de criminalizar tudo que vêm pela frente: qualquer conversa, qualquer negociação, no Brasil ou no exterior, é tratada como delinquente, as operações da empresa são paralisadas, suas contas são congeladas, seus principais executivos são presos preventivamente até que confessem alguma coisa. Isso inviabilizará a economia nacional, como já aconteceu, abrindo espaço para um brutal e acelerado processo de desnacionalização, a preço de banana, com transferência de lucros, tributos, empregos e soberania para o exterior.

O nível de ingenuidade do capitalismo nacional, engolfado numa onda de preconceito político e ideológico que nunca fez sentido real em nossa conjuntura, é assustador. Em nome da luta para destruir o PT, setores autoritários do Estado destruíram grandes empresas de engenharia e, com elas, setores inteiros da economia, como as fábricas de navios e a indústria de gás e petróleo. A Globo chegou ao cúmulo de tratar empreiteiras criadas na ditadura e que sempre financiaram o PSDB e o PMDB - o fato de terem construído o Brasil e deterem um patrimônio tecnológico inestimável é tratado como apenas um detalhe - como "empresas companheiras" ou "empresas da Lava Jato".

Criminaliza-se partidos políticos por seu esforço democrático, legítimo e necessário para alcançar o poder e mantê-lo, e louva-se corporações aristocráticas, não eleitas, que violam direitos e garantias fundamentais para ampliar o seu.

As manifestações contra Michel Temer certamente surpreenderam o governo e a mídia. É impressionante quando se as compara com as marchas coxinho-midiáticas, que são anunciadas previamente, semanas a fio, pelos grandes jornais, rádio e tv, com chamadas a cada minuto nas principais concessões públicas de tv. Metrôs são liberados. A polícia brasileira - uma das instituições mais assassinas e corruptas do mundo - é vista como "aliada" desses protestos, enquanto, nas manifestações contra o golpe a polícia faz todo o tipo de provocação e promove violências. Todos os números das manifestações coxinhas são inflados, pela polícia e mídia, que faz uma cobertura jornalística intensa, favorável, entusiástica, enquanto os protestos antigolpe são sistematicamente sabotados pela grande imprensa.

Mas o sucesso das manifestações de domingo serviram a dois propósitos importantes na longa luta de resistência democrática que se inicia:
  1. Os editoriais da mídia pedindo repressão, mais os esforços da mesma, em particular a Globo, para diminui-los, ajudam a aprofundar a consciência política de setores crescentes da sociedade, sobre o papel da mídia no golpe e no processo contínuo de manipulação da informação.
  2. Ajudaram a coesionar os movimentos de resistência democrática em torno do objetivo único de denunciar o golpe e pedir novas eleições. Até mesmo Luciana Genro, que foi candidata presidencial pelo PSOL, e é um dos quadros mais hostis ao PT, deu hojeentrevista ao Brasil Post (filial do Huffington Post) em que, além das pancadas tradicionais no PT, faz declarações sólidas contra o golpe e em favor de novas eleições. O Psol, apesar de fraco no Congresso, tornou-se um partido forte entre os jovens, sobretudo nas principais capitais.
O golpe hoje parece uma força invencível, avassaladora, porque ele conseguiu fazer emergir, das trevas profundas da nossa tradição autoritária, todos os morto-vivos que nos assombraram durante séculos: uma polícia homicida, um judiciário profundamente aristocrático, uma mídia entreguista e mentirosa, todos associados por uma cultura política que não esconde sua aversão aos valores democráticos.

Entretanto, a fragilidade narrativa do golpe salta aos olhos de qualquer um. Seus próprios operadores hoje o admitem. A truculência da polícia paulista contra as manifestações se volta, evidentemente, contra o governo Temer, visto que o ministro da Justiça é ligado diretamente à secretaria de segurança de São Paulo, da qual foi titular até pouco tempo.

O escritor Fernando Morais declarou, em entrevista ao blog DCM, que não vê chances dos golpistas, depois de tudo que fizeram, depois de todas as violações que cometeram, permitirem a eleição de Lula em 2018.

A democracia representativa é um sistema que já nasceu em crise, porque apresenta um grau baixo de democracia. Segundo Kelsen, ídolo liberal, que escreveu alguns ensaios clássicos sobre o tema, "os direitos políticos - isto é, a liberdade - reduzem-se a um simples direito de voto".

Nem este simples direito, no Brasil, foi respeitado.

Mas ao se verem forçadas, por seus próprios fracassos eleitorais, a violentar a única e última liberdade política que a democracia representativa reserva a seus cidadãos, o voto, as forças do conservadorismo criaram, para si, um fantasma com o qual terão de conviver durante muito tempo.

Daí a força do termo golpe: o erro da mídia tem sido atribuir "ao PT" a narrativa de golpe, quando não estamos mais, em verdade, diante de nenhuma "narrativa", e sim diante de uma violência política real, objetiva, contra a liberdade política de um dos maiores eleitorados do planeta.

A dor de perder a única liberdade política palpável que possuíamos, o direito de escolher nossos próprios governantes e, com eles, o programa de governo, é a dor política suprema, e, como tal, a mais poderosa de todas, a mais fértil parteira de herois e ideias na história da humanidade.

Nota do Miguel do Rosário: Recado aos assinantes: volto a fazer a Análise Diária de Conjuntura, renomeada para Arpeggio, assim nesse estilo. Hoje o texto ficará aberto, mas doravante fecharemos o conteúdo para assinantes. Ajude o Cafezinho a continuar forte! Faça uma assinatura!

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