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Marcos FábioUma vez estava vendo TV de tarde, não sei bem agora por que razão, mas estava em casa numa tarde qualquer, quando liguei a televisão e, zapeando, dei com o palhaço Bozo num desses programas vespertinos que escarnam a vida alheia, com especial atenção para ex-celebridades. O Bozo, sentado num sofá, contava a sua vida, os seus dias de fama e fortuna, as suas desventuras, a sua queda, a sua ruína e a sua busca pela volta por cima. Foi estranho, para mim, que cresci vendo aquela figura fulgurar no écran nas manhãs do SBT, vê-lo assim, daquele jeito, fragilizado, penosamente expondo os intestinos da sua vida de astro da TV. No fim, o baque final: o palhaço, nas suas considerações finais, disse algo como “queria dizer à dona Maria que aquele aluguel que eu tou devendo eu vou acertar.” Não sei se foi um gracejo. Desconfiei de que não era, o que aumentou a minha tristeza.
O Bozo é apenas um pequeno exemplo do que a gente vê todos os dias, pela mídia. Há uma verdadeira colmeia de ex-celebridades, subcelebridades e agora anônimos, que disputam a tapa (às vezes, literalmente) a atenção da audiência. Aí eles chegam, quase do nada. Aí eles ficam famosíssimos de uma hora para outra. Aí, também de uma hora para outra, eles somem – ou são, quase sempre, substituídos. É o liquidificador quadridentado da mídia transformando-os em pasta.
É um processo rápido. Uns somem por completo; outros ganham, algumas vezes, uma sobrevida – como ocorre com alguns ex-bbbs, talvez os exemplos mais práticos disso. Um dia li na Folha de São Paulo que o percurso de um ex-bbb é mais ou menos esse: a) nos primeiros dias que sai da “casa”, ele/ela cobra para aparecer em festas e eventos (o que se chama de “presença vip”); b) à proporção que o tempo vai passando, o cachê vai diminuindo e ele/ela vai se conformando à sua invisibilidade; c) quando a sua imagem perdeu a força totalmente, ele/ela começa a se oferecer para ir aos eventos, ligar insistentemente para os produtores de festas, às vezes até a pagar para comparecer, quando então a ordem se inverte – o que ele ganhou nas primeiras, “investe” agora, por mais uns dias de visibilidade. Deve ser um processo doloroso esse, pois, via de regra, traz também uma redução de ganhos e, por conseguinte, de padrão de vida. Quem não se lembra do caso da Narjara Turetta, que
foi uma atriz famosa nos anos 1970 e, uma década depois, vendia água de coco? Meses atrás ela tinha voltado à telinha novelesca global, em papel secundaríssimo, pelas mãos do autor Walcyr Carrasco. Uma sobrevida.
(Agora a profusão de câmeras móveis gerou uma subcategoria das subcelebridades. Aquelas que ninguém sabe quem é nem lembra o nome, e que vivem por uma semana nas redes sociais, às vezes ganhando status de espaço na TV. A última foi a “moça” que transou e conseguiu filmar o Justin Bieber dormindo. Como é mesmo o nome dela???)
É um “renarcisamento”. Como se sabe, Narciso se alimentava da própria imagem, ao ponto de morrer autoencantado. É uma metáfora mitológica, uma fábula para nossos dias. O professor Muniz Sodré tem um livro sobre a TV convenientemente chamado “A Máquina de Narciso”. Uma máquina cujas engrenagens giram muito rápido, que se alimenta de rostos, corpos (muitas vezes das suas partes mais protuberantes, macias e pudendas), cujo combustível são, via de regra, a juventude e a singularidade com um pouquinho de escândalo, os dois ao mesmo tempo.
Vai ser sempre assim. Já disse Andy Warhol que todo mundo, no futuro (agora!), iria ter quinze minutos de fama. Ele só não disse é que o custo seria alto.
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