-->

Mandela, de terrorista a pai da nação sul-africana

Publicidade
AFP

Joanesburgo, África do Sul — Nelson Mandela é venerado por seu povo e pelo mundo por sua contribuição fundamental para o fim do cruel regime do apartheid, tendo sido o grande conciliador das forças que ameaçavam mergulhar a África do Sul em uma guerra civil.

MandelaMandela

Porém, ao iniciar sua luta, Mandela foi um nacionalista africano que queria expulsar os brancos através das armas.

Aos 22 anos, o jovem Mandela se viu confrontado ao chegar a Johanesburgo, em 1941, com um sistema de segregação que era muito menos rigoroso na região em que havia nascido, Transkei.

Seu primeiro posicionamento o define, em suas próprias palavras, como um "nacionalista africano". Estava saturado da cultura europeia e também rejeitava a presença de representantes de outras minorias no Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), movimento exclusivamente negro ao qual aderiu naquela época.

Além disso, se negava a qualquer entendimento com os comunistas, que também lutavam contra o apartheid.

As três rupturas na vida política de Mandela

Verne Harris, responsável pelo programa de memória da Fundação Mandela, vê três rupturas na evolução política daquele que se transformaria em uma das figuras máximas da segunda metade do século XX, Prêmio Nobel da Paz em 1993 e primeiro presidente negro da África do Sul.

"A primeira (ruptura) remonta aos anos 50, quando ele passa de uma postura africanista para um enfoque multirracial. Isso ocorreu depois das duras experiências dos protestos organizados contra a sistematização da segregação racial sob o regime do apartheid em 1948", explica Harris.

O ANC estabeleceu, a partir de então, acordos com outras forças opositoras, incluindo os comunistas, que influenciariam suas ideias. E todos adotaram, em 1955, a Carta da Liberdade, um texto que orgulhou Mandela por ter oferecido um futuro a todos os povos que habitavam a África do Sul.

Porém, o ideal de uma luta pela via pacífica não resistiu à repressão. O ANC foi tornado ilegal em 1960 e Mandela, depois de várias prisões, passou a viver na clandestinidade e optou pela luta armada, que via como a única forma de curvar o poder branco. Essa foi, segundo Harris, a segunda ruptura.

"Durante cinquenta anos, o ANC considerou a não-violência como um princípio central. Depois disso, seria uma organização diferente. Entramos em um caminho novo e mais perigoso, o caminho da violência organizada", escreveu Mandela, que assumiria a liderança do Umkhonto weSizwe (MK), braço armado do movimento.

Essa ruptura se produziu, paradoxalmente, quando o presidente do ANC, Albert Luthuli, recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em 1960, por sua luta pacífica contra o apartheid. "Um prêmio que, por uma ironia da história, o próprio Mandela receberia, já que a luta armada havia acabado", comenta Harris.

As autoridades sul-africanas, que em plena Guerra Fria se apresentavam como representantes do Ocidente contra "o perigo vermelho", aproveitaram para colocar em Mandela a etiqueta de "terrorista".

E seu nome permaneceu na lista de terroristas fichados nos Estados Unidos até 2008.

Mandela, preso em 1962, alegou em seu julgamento que o recurso à violência era, antes de tudo, uma resposta à brutalidade do regime do apartheid.

O líder proclamou uma profissão de fé que prenunciava sua futura dimensão de reconciliador: "Dediquei toda a minha vida a lutar pelos africanos. Lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra. Meu ideal mais acalentado foi o de uma sociedade livre e democrática", declarou.

Mandela passou os 27 anos seguintes atrás das grades. Durante sua prisão, aprendeu afrikaaner, a língua do apartheid, primeiro com a intenção de entender melhor seus inimigos e, em seguida, para apreciar sua cultura e conseguir perdoar.

Em 1986, já convertido em figura emblemática da resistência ao apartheid, tomou a iniciativa de negociar secretamente com o regime, que se via diante da crescente pressão internacional.

"Eu não estava disposto a abandonar a violência de imediato, mas lhes disse que a violência nunca poderia ser uma solução definitiva para a África do Sul", afirmou, em suas memórias.

Sua "terceira ruptura", de acordo com Harris, ocorreu depois da sua libertação, em 1990, quando "abandonou os marcos e referências marxistas e socialistas e migrou para um ideal quase liberal".

O Muro de Berlim havia caído e Mandela parecia, de repente, muito mais apresentável aos brancos, que acabariam por ceder o poder ao ANC.

Sua percepção dos interesses do Estado e seu trato cordial e elegante, sem submeter seus adversários a nenhuma humilhação, abriram para ele o caminho para que se convertesse rapidamente no "pai da nação" sul-africana.
Advertisemen