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Edson Vidigal
A noite desce um manto frio impondo aconchego, mas sendo de vidro a janela do quarto dá pra ver, sem esforço, uma banda da lua por trás dos galhos brancos dos carvalhos.
Os galhos dos carvalhos estão brancos por causa da neve. Parecem até ressecadas como as aroeiras nas caatingas. Mas amanhã, depois que o sol chegar, você vai ver.
Na sala, no andar de baixo, há um cão valente só com quem chega, mas amoroso com sua dona, que não parece se intimidar com os tigres.
Os tigres são até simpáticos e dá para vê-los bem de perto, por trás do vidro temperado da porta, é claro.
Não se sabe como aconteceu, mas de há muito que um gato, talvez da vizinhança, se juntou aos tigres e se comporta no meio deles como se fosse um deles.
A ração de gato e cachorro é atirada todo fim de tarde no jardim, próximo à janela. Os tigres chegam com a noite, e com eles, o gato camarada, todos atraídos pelos cheiros de peito de frango, de bife de ovelha, que essas rações industrializadas exalam.
Os tigres e o seu parente felino, o gato enxerido, parecem fartos da ração que é tanta e se esparramam na grama, preguiçosamente.
Alguém sabendo que a dona da casa, uma viúva morando só, era alvo fácil para alguma maldade imaginou que poderia adentrar fácil, fácil, à noite.
A história dos tigres vigias irrompeu no tempo como um incêndio nas montanhas e planícies da Califórnia, o mundo todo ficou sabendo.
Confusão com os ambientalistas? Nenhuma. Não há cativeiro. Os tigres e o seu parente felino, o gato enxerido, nem foram amestrados. Não são forçados a serem vigias noturnos. E quando trabalham, não é de graça
Vão lá toda noite atraídos pela comida e depois, bem alimentados, não incomodados, demarcam com a urina o seu latifúndio no jardim e se deitam. Quem é doido de se aproximar?
Antes da chegança do dia, vão-se os tigres e o seu parente felino, o gato enxerido. O sol agora libera aos poucos da neve os galhos dos carvalhos.
Vão chegando os veados e os pica-paus. Eles habitam aquilo tudo com a naturalidade de um arroio que desce um canyon e não se dilui e não se perde na imensidão das grotas.
Os veados são mesmo um tanto afetados e muito ligeiros nas corridas. Os pica-paus são operários incansáveis. A gente, talvez pela influência do desenho animado, se surpreende com o tamanho deles. Não são daquele tamanhão.
Os pica-paus escolhem entre os carvalhos o que está quase sem verde, portanto quase morrendo. No tronco, uns vão fazendo furos, outros vão trazendo, não se sabe de onde, os grãos que eles guardam, bem ajustados, naqueles buraquinhos.
Ali, no tronco quase broco do carvalho mais velho, os pica-paus prudentemente se capitalizam. Na hora da crise, eles sabem muito bem para onde voar.
De fato, o sol derrama luz e calor, não aquele calor de Cuiabá ou de Teresina, mas o calor na medida só para aquecer as plantas, ajudar a florirem rosas, a exalarem os hortelãs e os alecrins, a derreter a neve nos galhos dos carvalhos, a incitar aconchegos e práticas de amor.
E os ursos? Falaram que por estas montanhas tem urso. Tem. Outro dia houve um casamento no clube do condomínio e quando menos se esperou, no meio da festa, apareceu um urso jovem.
As pessoas já estão acostumadas, e até acham graça.
O urso se enfronhou no meio das pessoas, parecendo não querer incomodar ninguém, foi direto à mesa dos salgadinhos e passou as patas no bolo da noiva e saiu comendo.
Nota do editor da Aldeia: Edson Vidigal é ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele escreve às quintas para Direto da Aldeia Global.
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