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O livro encontra você

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Marcos Fábio

Eu sou uma pessoa ansiosa. Daquelas de ficar perdendo tempo pensando em uma coisa que ainda nem está prestes a acontecer. Ou de ficar programando uma fala, uma escrita, um argumento para algo que está no mês que vem. Digo isso pra justificar a minha relação com os livros, lá no início da minha carreira como “leitor profissional”.

No início, eu achava que tinha que ler todos os livros que eu adquiria, seja por empréstimo, por aluguel (sim, já houve um tempo em que se alugavam livros, desconfio de que isso não existe mais), por doação ou por compra. E aí ficava uma corrida alucinada para dar conta de todas as leituras, porque os livros, quando a gente começa a adquirir, não param nunca mais de chegar.

O resultado disso é que lia, às vezes, três, quatro livros ao mesmo tempo. De áreas diferentes, para as finalidades mais distintas: da teoria da comunicação às biografias, passando por redação, literatura, autoajuda, religiosos, técnicos e por aí vai. Como fruto dessa correria, claro, surgia uma baixa qualidade de leitura – a quantidade não formava a qualidade.

Demorou um pouco pra eu perceber o óbvio: quem quer formar uma biblioteca não pode ter a doidice de querer ler todos os livros. Aprendi essa lição no dia em que pude fazer uma pergunta a José Mindlin, o maior bibliófilo do Brasil, um homem que juntou, em sua vida de quase 90 anos, mais de 30 mil livros. Perguntei a ele num seminário no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro, em 1999: “Doutor Mindlin, o senhor tem todos os seus livros lidos?”. Ele me olhou com um ar paternal, como quem ia ensinar uma grande lição, dessas que ficam para a vida toda, e me disse: “Meu caro, eu não tenho todos os meus livros lidos; mas eu tenho todos conhecidos.”

Foi o suficiente para eu aprender que não se deve forçar a leitura de um livro quando não é a hora de se fazer isso. Foi o necessário para eu admitir que um livro pode ficar anos e anos na minha estante, sem que necessariamente ele entre para a lista dos “lidos”. A hora dele chegará. Ou não. E isso, para quem gosta de livros, tem que ser uma coisa normal.

Um dia desses postei no Facebook que eu só tinha lido “O Pequeno Príncipe” quando já fazia doutorado. Foi só quando consegui me interessar por ele, foi só quando achei a oportunidade, foi só quando o encontro se fez possível. E assim como ele, muitos outros títulos estão nas minhas estantes, mais ou menos afamados, autores com maior ou menor “pedigree”. Uma dia, o encontro chegará, um dia eu me interessarei, por qualquer que seja o motivo, tirarei da estante aquele autor que lá dorme e promoverei o encontro. Ele me encontrará, muito provavelmente, pois há uma certa transcendência nessas relações etéreas...

Livros não se acabam; é só ter cuidado com as traças.
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