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Pedro Rogério, O Povo e Blog do BóisVárias possibilidades existem de se ouvir e compreender um dos maiores expoentes da música brasileira: Ednardo. Aquele que olhou com interesse para elementos fundantes da cultura e trouxe para sua obra. Podemos ver um tropicalista cearense, reinventor de nossa tradição musical que bebe de todas as fontes, do xote ao rock, do xaxado à balada, do maracatu ao bolero. É também um encorajador das novas gerações com o Massafeira Livre, que ligou sua arte com outras linguagens como o cordel, a literatura, o cinema, a poesia, as artes plásticas, o artesanato. Mas, Ednardo se narra um andarilho que vem cantando suas descobertas, encontros, desencontros, alegrias, tristezas e celebrando a vida tal qual um trovador.
No primeiro disco registrado em gravadora, com contrato assinado – Meu corpo, minha embalagem, todo gasto na viagem - o título já coloca a viagem como tema. Se o corpo é embalagem, qual seu conteúdo? Os sonhos, os desejos, a vontade de conhecer o novo. Já não bastam a Aldeota, o Mucuripe, nem a Beira Mar. E se a embalagem, que é a parte visível foi toda desgastada, ficou o invisível, que se manifestou em melodias, harmonias, ritmos e poesias.
Logo na primeira faixa do vinil lançado em 1973, “Ingazeiras”, ele anuncia que “o sul, a sorte, a estrada me seduz”. Ednardo e seus pares foram seduzidos pelas belas possibilidades de cantar e interpretar o Brasil a partir do Ceará. Sem ter o medo da morte atravessou oceanos e continentes, tal qual Ulisses em sua Odisseia homérica.
“Ingazeiras” foi composta para o artista plástico cearense Aldemir Martins. Aldemir contou sua história de vida para Ednardo que na música destacou essa vontade de sair do “oco do mundo”, e com o desejo de realização de seus sonhos, varar cancelas, abrir porteiras. O “ouro em pó” de Aldemir, que reluz como um oásis em meio as dificuldades e limitações de sua origem social, se encontrava na coragem de sair e efetivar seus sonhos. A segunda faixa do mesmo disco traz a canção “Terral” de Ednardo que mais uma vez coloca o artista na perspectiva daquele que está em viagem. Aqui o autor declara para outrem de onde veio, e de “onde (ele) queria ficar” e nos traz o tema da saudade daquele que se distanciou do seu lugar de origem. A bússola para o navegador das ondas sonoras da canção são suas próprias melodias, sua própria trajetória. O andar traz um novo andamento, os passos traduzem novos compassos.
Ednardo e Augusto Pontes traduziram as primeiras dificuldades na canção “Água Grande”: “A primeira vez que eu vi São Paulo/ Da primeira vez que eu vim São Paulo/ Fiquei um tempão parado/ Esperando que o povo parasse/ Enquanto apreciava a pressa da cidade/ A praia de Iracema/ Veio toda em minha mente/ Me banhando da saudade/ Me afogando na multidão/ Eu vim São Paulo/ Se afogando na multidão/ Eu vi São Paulo/ Janeiro e nada/ Fevereiro e nada/ Marçabril e águagrande despencou/ Um aviso de chuva me chamou/ Marçabril e águagrande despencou/ Um aviso de chuva me chamou/ Adeus São Paulo/ Está chovendo pras bandas de lá/ Também estou com pressa”.
Concluímos esta leitura-homenagem em muito boa companhia: com Augusto Pontes, uma das principais referências da geração de que participou Ednardo. A parceria de Ednardo e Augusto Ponte anunciou: “Carneiro”: “Amanhã se der o carneiro/ O carneiro/ Vou m’imbora daqui pro Rio de Janeiro/ As coisas vem de lá/ Eu mesmo vou buscar/ E vou voltar em vídeo tapes/ E revistas supercoloridas/ Pra menina meio distraída/ Repetir a minha voz/ Que Deus salve todos nós/ E Deus guarde todos vós”.
Salve o andarilho, trovador, menestrel e viajante das canções e emoções brasileiras – Ednardo!
Nota do Blog do Bóis: Pedro Rogério é professor da Universidade Federal do Ceará, pesquisador e músico.
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