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Gustavo Costa, Especial para o ViomundoSe não bastassem mais de três mil dias de lentidão da Justiça, em janeiro deste ano uma decisão da juíza Raquel de Vasconcelos Alves de Lima, da Nona Vara de Belo Horizonte, que julgaria o caso da Chacina de Unaí, transferiu o julgamento para a cidade dos acusados de serem os mandantes. Raquel declarou-se incompetente.
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Cruzes fincadas na Fazenda Bocaina marcam o local onde fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho e Emprego foram assassinados em 28 de janeiro de 2004 |
Segundo a investigação das Polícias Federal e Civil, os auditores do Ministério do Trabalho Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares e o motorista Aílton Pereira foram executados com tiros na cabeça apenas por acompanhar o alvo principal, o auditor Nelson José da Silva.
Foi em 28 de janeiro de 2004.
Nelson batia de frente com o latifúndio e fora ameaçado algumas vezes antes da chacina.
Uma delas, por Norberto Mânica, acusado de ser um dos mandantes: “Só vou acabar com as perseguições à minha pessoa quando eu der um tiro na cabeça de um fiscal do trabalho”, teria dito.
Norberto é irmão de Antério Mânica, outro acusado de encomendar o crime. Eleito duas vezes prefeito de Unaí pelo PSDB, ele nega participação e diz que hoje já não conversa com o irmão.
Segundo o Ministério Público Federal, além dos irmãos Antério e Norberto Mânica, outras sete pessoas tiveram participação na chacina.
- Hugo Pimenta e José Aberto de Castro, o Zezinho, empresários de sucesso na produção de grãos, teriam sido os intermediários.
- Francisco Helder Pinheiro, conhecido como Chico Pinheiro, o homem que contratou os pistoleiros.
- Erinaldo Silva e Rogério Alan Rocha, os matadores.
- Willian de Miranda, motorista dos bandidos.
- E Humberto dos Santos, o responsável por tentar apagar os rastros da quadrilha.
Como foi a investigação do crime de Unaí?
Este caso, a própria investigação foi muito complicada porque o crime foi praticado sem testemunha ocular dos fatos. A Polícia Federal, a Polícia Civil e o Ministério Público Federal trabalharam de forma célere, de modo que o crime foi praticado em 28 de janeiro e em julho as investigações tinham sido encerradas de forma exemplar.
Ou seja, foram descobertos os autores do crime e o Ministério Público, sempre dentro do prazo, ofereceu a denúncia, no mesmo ano da chacina. Ocorre que a defesa interpôs sucessivos recursos, intermináveis recursos que só foram encerrados no ano passado.
Usaram de todas as instâncias, chegando ao Supremo Tribunal Federal, mas não tiveram êxito em nenhum dos recursos que interpuseram.
Quem executou o crime?
Conforme consta dos autos e as provas apuradas são dois os executores: o Rogério Alan e o Erinaldo.
Um se posicionou de um lado do motorista e o outro do outro lado. Um deles conseguiu matar três. Um dos pistoleiros não conseguiu acertar fatalmente um dos passageiros do banco de trás, que se deitou no banco para se defender. E o outro fez a volta, contornando o veículo e acertou com a pistola 380, todos na cabeça, como foram ameaçados pelo mandante.
Crime de encomenda?
Crime de execução, a mando, mediante recompensa. Crime quádruplo, triplamente qualificado pelas circunstâncias em que ocorreu. Mediante recompensa e formação de quadrilha.
Quem mandou matar?
Segundo consta da denúncia e dos autos os mandantes foram os fazendeiros que estavam sendo fiscalizados: Norberto Mânica e Antério Mânica e teve os intermediários, Hugo e Zezinho.
As provas são amplas. Foram ouvidas mais de 100 testemunhas pela Polícia Civil, Polícia Federal em força tarefa com Polícia Civil. Temos os depoimentos testemunhais, os laudos feitos pela perícia federal, vários cadastros de chamadas entre eles, entre os envolvidos.
Alguns dos dos réus, inclusive, se registraram com os próprios nomes nos hotéis, as pessoas os reconheceram. Eles confessaram o crime para a Polícia Federal na época.
E o carro onde estavam os pistoleiros?
Eles haviam furtado o carro em Brasília e depois da chacina jogaram o veículo no lago Paranoá, em Brasília. Eles deram azar porque uma das vítimas, o motorista, levou tiros na cabeça, mas recobrou o sentido, conseguiu dirigir 7 quilômetros até a estrada, onde foi localizado por outras pessoas, inclusive um policial militar.
Com isso, ele conseguiu relatar como os fatos acontecerem e falou do Fiat Strada. Os autos também dão notícia da existência de um veículo Marea, os próprios executores falam. Um dos mandantes apareceu bravo, que iam pagar o dobro e que era para matar todo mundo.
Os próprios executores acharam que estava muito pesado, porque foram contratados para matar uma pessoa só, eles ponderaram “o Nelson não está sozinho”. Pois matem tudo, paga o dobro e acaba com isso. E neste Marea, segundo informações dos autos, estava o homem bravo que dizia para matar todo mundo, que pagaria em dobro.
Também existem provas no sentido de que se reuniram na véspera do crime para tratar de como seria a execução, quais as ordens. Isso em Unaí, onde já estavam todos.
Quanto foi pago?
Na época houve a informação de 25 mil reais, era muito dinheiro para a época, em 2004. E eles dividiram o dinheiro entre eles, quanto maior a participação, maior foi a recompensa.
Chegaram a receber este dinheiro?
Receberam, tem prova disso nos autos também.
Por que os fiscais foram mortos?
Foram mortos porque estavam incomodando no trabalho de fiscalização rural. O Nelson era o principal alvo e ele foi ameaçado de que ainda ia receber um tiro na cabeça.
Foi ameaçado por quem?
Pelo Norberto Mânica. E assim concretizou. Nelson era uma pessoa extremamente séria no que fazia, ele chamou mais fiscais para ajudar no trabalho e foi pior.
Estas ameaças foram feitas quanto tempo antes?
Um ano antes.
O Nelson chegou a fazer um boletim de ocorrência?
Chegou a fazer um relatório de ameaça, mas neste caso a pena para ameaça é muito pequena e prescreve rápido, antes que se consiga apurar o crime está prescrito.
Todos foram mortos com tiros na cabeça?
Todos, tal qual a ameaça. Estavam cumprindo uma função institucional e na medida em que são recebidos à bala e colocam fim à vida deles por conta do trabalho, isso é uma ofensa ao estado democrático de direito, à própria sociedade.
Porque não são só vítimas, mas vítimas que estavam com a responsabilidade de fiscalizar o trabalho rural, este trabalho degradante que a imprensa internacional e os acordos internacionais tentam combater.
Em síntese, o que aconteceu neste ato foi justamente uma ofensa ao estado democrático de direito. À medida em que a pessoa que está sendo fiscalizada não concorda com a multa, basta que entre na Justiça, recorra administrativamente ou em juízo.
Como vê estes nove anos de espera pelo julgamento?
Com relação ao atraso, não se pode imputar ao Ministério Público porque todos os prazos foram cumpridos. Estes anos todos foram gastos apreciando sucessivos e intermináveis recursos da defesa. Por isso, eram muitos réus, processo complexo, o Judiciário se esforçou ao máximo, mas a cada vez usavam de recurso. E esse tempo passou.
É um prejuizo para as famílias das vítimas, mas também para a sociedade, porque o pensamento tende a trair, a memória tende a lembrar menos os fatos da época. São mais de 100 testemunhas e a gente teme que não lembrem de todos os detalhes da forma como os fatos aconteceram.
Outras testemunhas morreram; o agenciador de pistoleiro [Chico Pinheiro], que sabia tantas informações, ele faleceu. Não podemos mais contar com as informações de Chico Pinheiro. Norberto foi preso, solto e preso de novo, porque estava pagando os presos para não falar.
As pessoas que têm menos poder aquisitivo recorrem menos. Tanto é que neste caso os próprios executores interromperam os recursos. Os mandantes prosseguiram. Isso atrasa o julgamento.
A senhora acredita que os mandantes serão responsabilizados?
Com certeza. O Ministério Público fez o seu trabalho na crença da seriedade e da existência de provas. Contamos com os jurados, precisamos levar estas provas ao conhecimento deles com mais clareza. Mas não temos nenhuma dúvida da participação destas pessoas no que se denominou Chacina de Unaí.
Veja no Domingo Espetacular, da TV Record, a partir das 20h30min, reportagem especial de 30 minutos com detalhes inéditos da Chacina de Unaí.
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