-->

Vânia Frazão: Uma semana sem João Francisco

Publicidade
Vânia Frazão

Eu poderia ficar me perguntando: quantos dias mesmo eu não via João? A resposta não vai me consolar. Tenho certeza disso.

O que sei é que não o verei mais. Também não verei mais seu sorriso, João era um homem alegre, porém pavio curto. Para alguns, um homem taciturno.

E eu bem sei quantas vezes o fiz sorrir ao falar das minhas rebeldias. Lembrar de rebeldia, me faz recordar a Juventude Socialista, onde tudo começou. E João foi o primeiro de alguns companheiros que me acolheu. Ele sempre via o quanto eu era rebelde e corajosa para enfrentar as adversidades, talvez até mais do que eu realmente poderia ser.

Ele gostava de participar, dando suas opiniões sobre nossas incansáveis lutas, porém, não tinha a noção do qual me ensinou.

João não me convidou, ele simplesmente me convocou para o Movimento Negro do PDT. Pra mim, João era mais que uma lenda. Sempre houve muitas histórias e estórias que envolvia João Francisco. As histórias relacionavam-se as lutas em nome do movimento, da causa e pelo povo. E as estórias, bem, elas eram todas muito mais divertidas quando contadas na presença dele. Aquela altura da vida, João ainda ficava constrangido. Por isso, as estórias tornavam-se mais divertidas. Lamento não poder contá-las. Mas, João sempre dizia: “Menina, até tu fica falando essas coisas. Isso é difamação desse Mario Jackson”. E houve um tempo que nós três éramos inseparáveis: Eu, João Francisco e Mario Jackson.

Dos momentos alegres, todos irão lembrar por muitos anos. Das feijoadas que qualquer um de nós que organizássemos, tinha cozinheiro e endereço certo: Aroucha e sitio de João Francisco. Ali no São Cristóvão encontra-se a essência da família pedetista deixada por cada um de nós e regada constantemente no dia-a-dia de João Francisco. São muitas lembranças agradáveis, porém doloridas, pois não mais voltarão, assim como nossos nobres companheiros.

Como posso esquecer as mudanças de itinerários que João Francisco causava em nossas vidas? Geralmente em dias agitados e corridos, porque simplesmente ele “precisava apanhar Silvia” ou então ele “precisava passar no São Cristóvão.”

Era sempre bom estar com João. Sempre muitas histórias. Mas quando se tratava de uma injustiça, sai de baixo, João realmente se indignava, comprava a briga, ia pra linha de frente e peitava quem fosse preciso. Presenciei inúmeras vezes essa atitude de João em defesa de um companheiro ou de uma causa. Eu mesma fui exemplo disso. Eu e meus companheiros da JS. João defendia nossa luta e parcialmente nossa inocência, em um determinado episódio, que nem vale a pena citar. De tão decepcionante que foi. Este episódio tornou-se inesquecível talvez porque tenha sido doloroso demais, pois nos forçou a amadurecer na dor. Mas lá estava João diariamente dando seu apoio. Lembro-me que um dia, relacionado ainda a este episódio, estávamos tão angustiadas, decepcionadas e tristes com o circo que fizeram, que choramos dentro do carro: eu e Claudinha. Detalhe: ver Claudinha chorar é por que o negócio é serio demais. E lá estava João que ao invés de tentar nos acalmar se revoltou mais ainda. E quando ele se revoltava... “Hum” (Rum) .

Esse era o João Francisco, rebelde, amigo, companheiro das horas difíceis. Humano, fraterno, porém, revolucionário. O João Francisco do PDT, amigo de Neiva, Brizola, Jackson Lago, Edialeda e Abdias Nascimento.

O João Francisco do Movimento Negro, do Centro de Cultura Negra, do Morro de São Carlos, da Serra Leoa, do São Cristóvão da liga de camponeses, das comunidades quilombolas, da casa de Panaquatira, do exílio, da União Soviética, da casa de Nagor e da Igualdade racial.

Sentiremos saudades de todos esses João Francisco. Em especial, do João Francisco de tantas lutas: do João Francisco da resistência.
Advertisemen