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Em noite de ouro, sunga aperta Cielo, Fratus vomita e americano 'escapa' de antidoping

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por Bob Fernandes

Cinco horas e vinte dois minutos da tarde. Na mão esquerda, garrafa plástica com isotônico. Blusão amarelo, calça azul do agasalho da seleção, Cesar Cielo dobra à direita no corredor dos nadadores no Acuático Scotiabank e segue para a piscina de aquecimento. Alheio a tudo à sua volta, mexe os lábios e balança a cabeça no ritmo do que vem do headfone: Van Halen.

Carlos Martins, encarregado de vigiar o corredor dos atletas, acompanha Cielo com o olhar e balbucia, admirado:
-…campeón olímpico…

Cielo exausto ao sair da piscina com mais um ouro do Pan
Cielo mergulha na rotina que antecede as provas. Carlos Martins tenta cumprir sua missão. Em vão.

Trinta e dois juízes atravessam, de uma ponta à outra, o corredor dos nadadores. Carlos murmura:
- Eles não podem passar por aqui, só pelo outro lado, lá na piscina de aquecimento… eles não podem se misturar com os atletas antes da prova, é a regra…

Cielo entra na piscina de aquecimento. Às cinco e cinquenta e sete da tarde, volta para o corredor e caminha em direção aos vestiários. Já de bermuda azul, agasalho amarelo, pés descalços. E ainda ouvindo Van Halen.

Cielo, ao contrário de muitos dos 69 nadadores (seis reservas) que disputarão provas na noite deste domingo 16 de outubro, carrega sua própria garrafa de isotônico.

Gato escaldado depois da suspeita de doping – ou contaminação? – por furosemida?

Demais nadadores se servem na geladeira. (Ao final das provas, às oito e dez da noite, restam apenas 50 das mil garrafas plásticas de Gatorade, constata a guardiã da geladeira).

O rádio chama Carlos Martins, que dispara corredor afora. Volta cinco minutos depois: “Um jornalista tentou se misturar com atletas e entrar junto com eles, o Acuático é grande, difícil vigiar tudo”, explica o ofegante Carlos.

O Acuático, projeto de Moisés Huerta, apelidado “A joia da Coroa” pelos mexicanos, custou US$ 32.1 milhões. Com teto em forma de onda, 5.093 lugares, é apontado pela Federação Internacional de Natação como o segundo melhor parque aquático do mundo; à frente, só o deslumbrante “Cubo d’água”, em Pequim.

Cielo está no vestiário. Guarda o headfone. Conversa com seu oesteopata, Jean. Faz uma oração.

No rádio, chamado para Carlos Martins. Que novamente arranca corredor afora. Volta dez minutos depois:
- Desta vez eram dois… vieram entre ônibus de delegações do México, Canadá, Brasil e Estados Unidos… tentavam entrar misturados com atletas…

Pergunta:
- Eram de qual país, Carlos?
- Não deu pra ver, estavam com as credenciais viradas e saíram rápido…se pegamos, na primeira vez advertimos, mas na segunda chamamos a Policia Federal…

Cesar de Rose (Informática da PUC do Rio Grande do Sul), se aproxima do portão de acesso à piscina. Filho de Eduardo de Rose, o mais destacado brasileiro no sistema de antidopagem, Cesar tem duas missões no Pan.

A primeira missão, ligada a um projeto da PUC para o Brasil e, espera ele, para a WADA (Agência Mundial Antidoping): informatizar todo o processo, usar tablets e eliminar os papéis, formulários e afins na antidopagem.

A segunda missão, Cesar de Rose cumpre como DCO (Fiscal Controlador de Doping). Na mesma função, Luciano Castro (Educação Física, PUC–RS). É preciso rapidez na função de DCO, como se verá.

Cesar de Rose vigia seu "alvo" para o antidoping (Foto: Bob Fernandes)
Meia hora antes das provas são sorteados não atletas, mas posições nas raias. O DCO, ao final da prova, deve capturar para o exame antidoping o atleta que tenha nadado na raia sorteada.

Nesta noite, Cesar de Rose está de olho nos 100 metros de peito, masculino.

Fabíola Molina fica a um décimo de medalha nos 100 metros, costas. Reclama:
- Tinha muita parafina na borda…

A mexicana Maria Fernanda González ganha o bronze. Chega à zona mista, de entrevistas, e recebe abraços e beijos, é saudada por Giselle Zarur Maccis, repórter da Televisa:
- Amiga! Que lindo!

Beijos, abraços, fotos… e a entrevista.
Cielo na borda da piscina. Touca dourada, sunga azul claro, óculos de tiras brancas, enverga o 1.96m e salta para os 100 metros. Vira os 50 metros na frente do cubano Hanser Garcia e de Shaune Fraser, das Ilhas Cayman.

Brasileiros sacodem bandeiras e urram nas arquibancadas do Acuático. Na lateral da piscina, próximo à zona mista, cubanos enlouquecem; Hanser Garcia, que persegue Cielo, há dois anos era jogador de polo aquático.

Cesar Cielo sente a vitória; sabe do revezamento 4×100 logo depois, e desacelera. Chega ao ouro e quebra seu próprio recorde panamericano com 47s84. Hanser Garcia faz 48s34, os cubanos pulam, gritam, se abraçam.

Cielo ergue o corpo da água, berra:
- Eeeeiiii, Ouuuhhh…

O campeão olímpico e panamericano comemora. Bate as mãos na água, grita, bate as mãos abertas no tórax. Quando deixa a piscina, óculos levantados, desaba logo à beira, exausto.

A caminho da zona de entrevistas, Cielo olha para cima, para a sala de convidados especiais, torna a bater no tórax, nele deixa a marca das mãos espalmadas. Se curva, mãos agora sobre os joelhos, busca ar, descansar o corpo, e murmura:
-…tô morto… tô morto…morto…

Enquanto dá curtas entrevistas para TV, internet, rádios e meios impressos, Cielo respira fundo. Resfolegando, já próximo ao corredor, o campeão olímpico se despede apressadamente dizendo:
- Vou tomar um pouco de ar e uma água, a boca tá colando, não consigo nem falar…

Há outro motivo, mais premente, mas esse não pode ser declarado diante das câmeras e microfones. A sunga nova está, digamos, apertando onde apertos incomodam progressivamente.

Vestiário.
Troca da sunga por uma bermuda. Água, isotônico, conversa com o osteopata Jean, sessão com o massagista Wagner à espera do 4×100.

Peito, homens, 100m. Dobradinha, ouro e prata para Felipe França e Felipe Lima, com 1min00s34 e 1min00s99. Bronze para o norte-americano Marcus James Titus.

Cesar de Rose, Fiscal Controlador de Doping (DCO) nesta prova, descobre tardiamente que na raia sorteada estava Titus. Ele era seu alvo.

O atleta dos EUA passa rápido, escapa a de Rose, que é cobrado por outra fiscal. Os scouts, auxiliares dos DCOs, vão à luta.

O antidoping tem que ser feito em até uma hora depois das provas. Se o atleta for dar entrevistas o DCO, ou os scouts (de jaleco vermelho), têm que marcá-lo de perto, discretamente para evitar constrangimentos.

Nesta noite de domingo, querendo ou sem querer, o norte-americano sorteado para o antidoping vazou, rápido. E está nas águas da piscina de aquecimento. Impávidos, aguardando-o à borda, dois scouts.

Desfecho.
Revezamento 4×100. Bruno Fratus, Nicholas Santos, Cielo e Nicolas Oliveira. Bruno entrega meio segundo à frente dos norte-americanos. Nicholas Santos amplia. Cielo salta com 1s72 de dianteira. Nicolas Oliveira fecha a prova. Ouro com 3min14s65. Brasil tetracampeão panamericano. E outro recorde batido.

Bruno Fratus desaba à beira da piscina, uma semana depois de uma amidalite, três dias de febre e antibióticos. Cielo se enrola na bandeira. Os três cercam o exausto e cabisbaixo Bruno e o festejam. Todos se abraçam.

Entrevistas à saída da piscina:
Cielo diz mais ou menos o que na madrugada seria postado em seu twitter:
- Que revezamento…é muito bom nadar com amigos, é empolgante…
- Faltam os 50 metros. Vou olhar a borda do outro lado e pensar: ‘Só preciso chegar lá, e acabou’.

Vestiário.
Bruno vomita, e diz: “Vomitei…vomitei feito um porco”.

Fonte: Terra Magazine
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