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Marcos Fábio

Reza a lenda que a periodicidade é um dos pilares do jornalismo. Pura lenda. O jornalista Marcos Fábio (foto ao lado) prova com seus textos que a ocasião pode fazer o escrivão!

Professor e fundador do curso de jornalismo no campus II da Universidade Federal do Maranhão, ele é diretor do Centro de Ciências Sociais, Saúde e Tecnologia, no campus de Imperatriz-MA, Marcos Fábio tem o título de doutor em Linguística, e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual de São Paulo.

Aqui e ali, o leitor de Direto da Aldeia pode acompanhar ensaios, artigos, contos e outras formas de comunicação e expressão com esse talentoso 'manipulador' de palavras. Boa leitura.

domingo, 7 de dezembro de 2014

De Natais e outros Ais...


Passei hoje (ontem) à noite pela praça Pedro II, em São Luís, e pude constatar que, enquanto a fachada da Prefeitura está toda iluminada, alegre, a do Palácio dos Leões, sede do governo estadual, tem um ar triste, sorumbático.

Nem o espírito de Natal contagiou a casa da governadora.

É um ar pesado que ostenta o palácio, resquício da conjuntura política.

Ano que vem, acredito, ele estará mais alegre, mais feliz.

Palácios do Maranhão
O iluminado La Ravardière e o sorumbático Leões, contraste neste Natal

domingo, 7 de dezembro de 2014

Marcos Fábio: Beleza! Ah, a Beleza!


Estou navegando pela net e dou de cara com uma notícia de que a “modelo e apresentadora”, vice-miss bumbum de 2011, Andressa Urach, gaúcha, 27 anos, está internada na UTI, em estado grave, no Grupo Hospitalar Conceição, de Porto Alegre. Segundo a nota da assessoria de comunicação do hospital, publicada no site de notícias G1, “Andressa chegou à emergência do Hospital Conceição no sábado, dia 29 de novembro, às 22h30min, trazida pela mãe. A paciente apresenta um processo de infecção em decorrência da aplicação de hidrogel nos membros inferiores, realizada há cinco anos em uma clínica especializada”.

Pela notícia, fiquei sabendo que ela aplicou o produto há algum tempo e só agora ele fez mal. Cliquei num link do G1 e pude ler que “O hidrogel é usado para aumento de volume em regiões como o bumbum e as coxas. Também é usado para o preenchimento de linhas e rugas no rosto e no pescoço.” Fui ver as fotos de Andressa e pude constatar que, realmente, ela tinha um bumbum bastante avantajado, além de coxas bem grossas.

Mas Andressa Urach já era uma moça linda. Nasceu gaúcha, o que já lhe dava 87% de chances de ser uma mulher linda e glamourosa. É da mesma estirpe geográfica de Giselle Bündchen, outra sulista famosíssima. Andressa, porém, queria mais. Talvez precisasse de mais beleza.

Para quê? Para vencer na vida, para fazer revistas masculinas (como, de fato, fez), para competir com outras beldades igualmente bundudas e pernudas do mundo das celebridades e subcelebridades que povoam a tela da TV, os programas de reality, o carnaval, as capas das revistas, a internet, as casas de eventos, as boates de streape tease, os carrões dos executivos, as festas de políticos regadas a muito uísque, canapés importados, lugares paradisíacos e mulheres lindas, muitas Andressas – que estão lá por interesse, por oportunismo, por dinheiro ou talvez até por amor.

Talvez ainda para dar uma vida melhor à família, ao filho de 9 anos, para arranjar um marido rico e famoso (ou, se não famoso, rico, só rico...), para massagear o seu ego de “vice-miss bumbum 2011”, para poder comprar suas roupas importadas, seu perfume francês, seu apartamento num bairro chique do Rio de Janeiro, seu carrão, ou para pagar outras aplicações de hidrogel, quando as primeiras já não fizessem mais efeito...

Talvez, igualmente, para ter a segurança de que, realmente, era uma mulher linda e que seu corpo, moldado a hidrogel e sabe-se lá ao que mais, fizesse o sucesso que ela merecia, afinal, nasceu em Ijuí, no Rio Grande do Sul, e o imaginário das gaúchas as obriga a serem lindas ou mais que lindas.

Fiquei triste com o que aconteceu a Andressa. Mas também fiquei pensativo. Afinal, é preciso existir outros valores a nortear a vida. Na “sociedade do espetáculo”, em que vicejamos todos, essencialmente visual, a beleza não precisa prevalecer sobre todas as coisas. Ou a todo custo. Há outros valores. Tem que haver outros valores.

AndressaCleópatra

Andressa pode vir a falecer. Não importa. Daqui a pouco, outras Andressas estarão aplicando hidrogel – ou algum outro produto, mais caro ou mais barato, para se equilibrar sobre o obelisco de Narciso que as sustenta.

Cleópatra era feia, dizem os historiadores. Fosse hoje, não serviria nem para limpar o chão da clínica onde Andressa Urach, agora, convalesce.

domingo, 24 de agosto de 2014

Marcos Fábio: Amigos para Chorar


Amigos para Chorar


Amigos para Chorar


Marcos Fábio

Sempre gostei de escolas. Lembro de, muito pequeno ainda, montar um “coleginho” na garagem lá de casa, para ensinar os colegas que ficaram de recuperação e ainda levantar uma graninha para comprar besteiras de criança. O ambiente da escola, com tudo o que ele representa, foi, em todas as etapas da minha formação, uma coisa positiva. Tanto que, depois que acabei o doutorado, fiz uma tentativa de voltar aos bancos do ensino superior, numa nova graduação. Mas aí, os compromissos, a correria e outras coisas pessoais não me deixaram completar a etapa. Fiquei apenas na escola da vida, essa que nos ensina todo santo dia uma nova lição.

Como a que aprendi ontem. Aprendi que existem várias categorias de amigos. Amigos não são todos iguais. Nem existe aquela história de que “um amigo sincero se reconhece nas horas de dificuldade”, como diz um ditado popular. Nada disso. Existem amigos, de distintas qualidades e para distintas finalidades.

Existem aqueles amigos para curtir a vida, para sair, para badalar. Existem aqueles para nos colocar no eixo, nos chamar à razão, como o grilo falante, uma espécie de “voz da consciência”. Existem aqueles pra nos tirar das dificuldades – esses, em geral, são muito práticos: conseguem dinheiro, sabem como desenrolar uma burocracia, como desfazer um mal-entendido com alguém, conhecem até uma fórmula para reatar com a pessoa amada. Existem amigos para tirar boas fotos, estando nelas ou não. Existem até os amigos de cama – aqueles que nos amam como se nos amassem, mas que apenas curtem os nossos instintos, e nós os deles. E existem os amigos para chorar.

Esses são os mais íntimos. São aqueles que conhecem as nossas fraquezas; aquelas que nós escondemos, por medo, por impossibilidade de manchar nossa imagem pública, de borrar a maquiagem ou de parecer fraco diante de quem não queremos. Aqueles que estão prontos a nos ouvir dizer coisas que os demais amigos não precisam saber; mais: nem sonham em saber... Aqueles que nos dão bem mais que o ombro, nos dão os braços para nos envolver, a cama para deitar e molhar, o quarto para que as paredes recebam o reverbero dos nossos gritos de dor e desesperança. Aqueles que, enfim, guardam nossos maiores segredos e ajudam a secar as nossas lágrimas...

Nem todos podem ser amigos para chorar. Muitas vezes, não é por falta de vontade, mas de qualidade. Muitos não têm experiência para assumir a tarefa – que não é fácil

nem romântica; é, ao contrário, árdua e opressora, porque quem ouve chorar também chora, muitas vezes por dentro, que é o choro pior, porque não escorre... Muitos têm uma vida tão agitada que não conseguem parar para nos ouvir chorar – sim, porque, apesar de vivermos em alta velocidade, o choro precisa de tempo, de silêncio e de inércia; o mundo de quem chora e de quem ouve chorar precisa parar; não dá para ser “amigo para chorar” com o Whatsapp ligado enquanto você se esvai... E, muitos, enfim, não têm interesse em saber dos seus problemas, porque, para eles, você é uma fortaleza e não pode passar uma outra imagem; você é a referência de positividade, e não queira mudar isso. Mudar isso seria destruir mitos – e o ser humano precisa de mitos para referenciar sua vida. Não queira mudar isso; é a sua utilidade na vida deles.

Na Bíblia, se você buscar, vai ver que, em João 13:23, há uma referência a “o discípulo que Jesus amava”. Então, Jesus não amava a todos os outros? Sim, claro. Mas tinha um que ele amava mais que os outros. Será que não seria esse o “amigo para chorar” de Jesus? É apenas uma hipótese. Não é à toa que, para esse discípulo, Jesus entregou, na agonia da crucificação, a própria mãe. Em João 19:26, Ele diz: “mãe, eis aí o teu filho” e “filho, eis aí a tua mãe”. Não há presente maior, não que eu conheça.

Os “amigos para chorar” também não somos nós que escolhemos. É a vida que nos mostra. E não serão muitos, ao longo da sua vida. Às vezes, uma meia dúzia, que nos acompanharão em várias etapas da nossa vida, porque o tempo tratará de espalhá-los pelo mundo. Outras vezes, apenas dois ou um, que estarão ao nosso lado pela vida toda.

E como cultivar esses amigos? Não precisa fazer nada. Eles são como cactos. Não precisam de cuidados especiais. Só precisam que o amor que os une vá sendo depositado, na frequência que a vida impuser. Devem ser apenas guardados. E bem guardados. Talvez “no lado esquerdo do peito”, como ensinou Milton Nascimento, na sua belíssima “Canção da América”. Talvez num porta-retratos, ao lado da nossa cama. Talvez num álbum secreto, numa dessas redes sociais que existem por aí – e que ainda existirão. Ou talvez ainda numa caixinha de música, ocupando o lugar da bailarina. 

domingo, 13 de julho de 2014

Marcos Fábio: O menino de um olho só


Marcos Fábio

Hoje vi no hospital um menino de um olho só. Fui entrando na sala e ele estava, ao lado de uma mulher adulta, certamente sua mãe, perto da máquina de café. Olhei para ele de soslaio, para não gerar constrangimentos. Ele olhava para frente na hora que eu passei. Parece que olhava para uma parede, ou para o nada.
Em hospitais de câncer, se vê muita gente mutilada. Gente careca, gente sem partes do corpo, ostentando esparadrapos, ataduras e cânulas, cobrindo a cabeça com panos, bonés e chapéus. Não é uma visão agradável. No começo a gente se choca, na semana seguinte já se acostuma. Já me acostumei. Mas ainda me causa um certo desconforto quando vejo crianças. Velhos não me importam. O velho, bem ou mal, já viveu bastante, e se não aproveitou a vida é porque não quis, azar o dele.

Mas a criança, não. Aquele menino, que deve ter perdido um olho como eu perdi parte do meu nariz, com o câncer corroendo nossos organismos como soda cáustica no ralo da pia, tem uma vida longa ainda pela frente. Hoje os tratamentos avançaram muito, já é possível acrescentar algumas dezenas de anos na vida de um doente de câncer. Mas aquele olho, aquele olho ficará ali, para lembrá-lo, na sua ausência, de que o câncer, literalmente, lhe deixou marcas. Mesmo que ele ponha um olho de vidro, mesmo que ele faça a melhor das melhores das restaurações, ele estará lá, no vazio preenchido pela memória. Um dia, ele teve dois olhos, um dos quais o câncer, faminto, comeu...

Mas ele vai seguir com a vida. Com certeza, vai jogar bola, vai namorar, vai casar, vai arranjar um emprego, vai dirigir um carro ou andar de ônibus, vai estudar e pode até vencer na vida. Um olho só não o mata. Já o que lho roubou, sim.

Nota do editor da AldeiaMarcos Fábio é jornalista e professor da Universidade Federal do Maranhão. Escreve para Direto da Aldeia Global desde junho de 2011 quando a página ainda era Blogue do Frederico Luiz. 

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Marcos Fábio: Enfim, a Medicina


Marcos Fábio

A Ufma existe em Imperatriz há mais de 30 anos. Precisamente, começou suas atividades em 1979, com os cursos de Pedagogia, Direito e Ciências Contábeis, funcionando apenas à noite, num campus acanhado, fruto de um primeiro processo de interiorização da Universidade.

Essa realidade durou até 2006, quando se deu o segundo movimento de interiorização. Desta vez, os campi aumentaram em número e os que já existiam receberam novos cursos. Para Imperatriz, vieram a Engenharia de Alimentos, a Enfermagem e a Comunicação Social/Jornalismo. Foi um ganho de quantidade e de qualidade. A Ufma passou a ter cursos nos três turnos, aumentou o número de alunos, de professores com mestrado e doutorado, ampliou a quantidade de eventos, passou a existir, no cômputo geral, como efetivadora de projetos e pesquisa e de extensão. Nesse momento, o Campus de Imperatriz se transforma em CCSST - Centro de Ciências Sociais, Saúde e Tecnologia, redimensionando sua importância dentro da estrutura organizacional da universidade.

Em 2009, ocorreu a terceira expansão. Dessa vez, chegaram os cursos de Licenciatura – especificamente, Licenciatura em Ciências Humanas (com ênfase em Sociologia) e Licenciatura em Ciências Naturais (com ênfase em Biologia). Com mais esse movimento, o CCSST passou a contar com 8 cursos de graduação.

Ano passado, foi inaugurada a segunda unidade do CCSST em Imperatriz: o campus do Bom Jesus, localizado a 12 km do campus Centro. Para lá, foram os cursos de Engenharia, Enfermagem e Biologia. Lá também funciona hoje o nosso primeiro mestrado, em Ciência dos Materiais. É um prédio com 27 laboratórios, 17 salas de aula, biblioteca, auditório, restaurante e unidades administrativas. Conta ainda com a Unidade de Biodiesel, prédio que guarda os laboratórios do Mestrado, financiado com verba de pesquisa Finep.

Agora, estamos recebendo mais um curso de graduação: o Curso de Medicina. As aulas começam hoje, com os primeiros 40 alunos. Esse curso, que sempre foi um sonho da comunidade, nasce de uma demanda reprimida pela formação de novos profissionais médicos, no Brasil inteiro, e vem com a filosofia de profissionalização mais humanizada, mais integrada à saúde pública, mais inserida nas demandas sociais das comunidades. Para dar conta da sua estrutura, está sendo construído um novo prédio no Campus Bom Jesus, que aos poucos vai ganhando uma identidade de um centro de Ciências da Saúde e Tecnológicas.

Como tudo que se inicia, ainda há muito a trilhar. Preparar laboratórios, contratar mais professores, por meio de concursos públicos, fazer mais convênios para atuação dos estudantes na forma de estágios e aulas práticas. Mas, de início, os alunos utilizarão os laboratórios do Curso de Enfermagem e já foram assinados termos de acordo com a Prefeitura de Imperatriz e com a Secretaria de Saúde do Estado, com vistas a serem utilizadas as 32 Unidades Básicas de Saúde, o Socorrão e o Socorrinho (unidades do município) e a Maternidade (do Estado). A ideia é que o estudante vá se inserindo, desde os primeiros períodos, na mecânica da saúde pública local, para ir aprendendo e observando como ela funciona, sem maquiagens, e intervindo para a sua transformação.

Desafios virão. Esse é apenas no início de uma caminhada. Com a expansão da UFMA pelo continente (hoje ela está em 8 municípios fora da capital: Imperatriz, Chapadinha, Grajaú, Balsas, Codó, Pinheiro, São Bernardo e Bacabal), vive-se um período de dificuldades, pela escassez de recursos e a convivência com uma ampliação rápida de estrutura, pessoal e alunos. Mas acreditamos que, no passo a passo, com planejamento e determinação, a universidade irá ganhando uma melhor estrutura, atendendo às demandas que surgem a cada dia, e se tornando um selo de qualidade na educação superior maranhense – onde quer que ela esteja.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Marcos Fábio: Saudade se escreve com ‘S’


Minha filha está morando muito, muito longe de mim. Eu só tenho essa menina, que hoje já está com 21 anos. Não sou de ficar pensando nela, não sou de me preocupar muito, não sou de grandes afetações, mas tem horas que bate uma saudade louca, uma vontade de vê-la “aqui, agora”, de tocar o seu rosto, de ouvir a sua voz e de ver seus dentes brancos e consertados pelo aparelho brilhando na minha frente. Tem horas em que o universo parece que para, em que o mundo parece que estaciona, faz um pit stop, para que eu me lembre mais dela, para que eu sinta por ela uma saudade diferente, maior. E, nessa hora, eu fico assim-assim, entre o alegre e o triste, entre o feliz e o pensativo, entre o preocupado e o orgulhoso. Aí o mundo engata de novo a primeira, a segunda e a terceira, e todos esses sentimentos se misturam – e depois decantam. Pra vida voltar ao normal.

Pais de filhos únicos têm uma especificidade. Por um lado, economizam nas contas, suam menos, gastam menos adrenalina quando são adolescentes, investem mais focalmente. Mas também sofrem mais que os outros, pelo fato de terem todo o seu mundo centrado numa única criaturinha, um ser que tem muitos ou poucos dos seus traços físicos ou de personalidade, mas que é a razão de todos os seus esforços, que é o repositório do seu amor – o “amor-maior-amor-maior-que-todos-os-outros”. Pais de filhos únicos sentem saudade em progressão geométrica.

As redes sociais ajudam a aplacar a saudade, quando se está longe. Skype, Facebook, principalmente, são uma mão na roda. Porque dá pra dá pra falar, dá pra ouvir, dá pra ver a pessoa em fotos ou se mexendo, acenando pra você e mando beijos. E essa é uma experiência absolutamente necessária para quem não está no mesmo hemisfério, como no meu caso.

Dia desses, me peguei pensando em quando ela era criança. Lembrei das nossas brincadeiras, de como a gente fazia bagunça junto. Lembrei de quando a gente subia no pé de manga pra ler os clássicos da Disney, num livro que eu mandei pra ela do Rio, quando eu morava por lá. Lembrei de quando ela foi a primeira vez ao colégio, com um ano e meio, parecia um espirro de gente. E aí, fui buscar umas fotos, vi aquele sorrisinho, aquela menina tão pequena, olhão preto e bochechudinha, que parece que não era a mesma moça bela e desenvolta de hoje. Mas é. É o mesmo sorriso, a mesma felicidade, que não cresceram – ficaram os mesmos de quando ela tinha 6, 7 anos. Para o meu bem.

Na minha vida agitada, fico pensando às vezes em como ainda falta muito tempo pra ela voltar. Pra que eu possa vê-la de novo na minha frente, com todos os seus predicados, e com aquele sorriso da menina sapeca de 7 anos, que se cristalizou. Mas aí o mundo gira de novo e eu engato a quinta marcha e vou embora, deixando a saudade estacionada, me esperando numa próxima parada.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Marcos Fábio: "80 anos de João do Vale"


Antes de fazer este texto, fiz o seguinte exercício: fui ao Google, pus a frase “80 anos de João do Vale” e vi o que aparecia. A princípio, o site não completou a frase, como faz usualmente. A frase teve que ser completada por mim, para só então aparecerem uns dez registros referentes ao tema. Todos maranhenses, a imensa maioria sobre o mesmo assunto: o show que o projeto BR 135, do Alê Muniz e da Luciana Simões, fez para homenagear “O poeta do povo”. A outra menção era da Wikipedia.

João do Vale
Essa ação dá a exata dimensão do que se tornou João do Vale no cenário da história da música popular brasileira: um nome umbilical, reverenciado por poucos que, por altruísmo, interesses mercadológicos ou outro inconfesso, levantam a bandeira do resgate da sua grandiosa obra. João do Vale morreu para o Brasil. Descansa em paz.

Para quem não o conhece, recomendo ler ou ouvir a ótima biografia do cantor, escrita pelo carioca Márcio Paschoal, “Pisa na fulô, mas não maltrata o carcará”. Márcio resgata a vida do poeta e o coloca, com exatidão, no cenário da música e da cultura brasileira dos anos 1970 e 1980, quando João fez, de fato, um sucesso popular. Depois se apagou e foi se recolhendo, até morrer, em Pedreiras, esquecido pelo país.

E por que João foi tão importante para o seu tempo e não é para os nossos? Arrisco uma resposta. Em primeiro lugar, ele foi importante para uma época em que vigia a valorização das coisas da terra, da cultura popular, dos poetas sertanejos ou locais, do cheiro de brasilidade e resistência. E João era tudo isso: pobre, negro, pedreiro, analfabeto e talentoso, criou uma obra feita com as palavras do sertão, com as imagens do interior, com as metáforas investidas de protesto. O “Carcará” de João do Vale, levado ao palco no show-peça “Opinião”, é um hino de protesto e autenticidade brasileira. É a “Asa Branca” de Luís Gonzaga, esse também um fenomenal poeta do sertão, também esquecido. Outra coisa: João estava na hora certa no lugar certo, por isso foi “descoberto”, cantado e cultuado. Foi uma conjugação de talento, oportunidade e força pessoal, que o levou a ser o que era. Não é mais.

A segunda parte da resposta: João do Vale foi esquecido porque é próprio dos movimentos culturais a suplantação, a confecção midiática do presente. Nem todo mundo é Chico Buarque – e esse mesmo, se pensarmos em artista verdadeiramente popular, vive hoje mais do que já fez e das bênçãos que os cults lhe pedem, traduzida em alguns shows, poucos CDs e algumas notinhas nos cadernos culturais. A mídia também faz a sua parte. Vai trabalhando com o que pode ser sucesso hoje e retemperando o que pode ser ainda lembrado. Foi o que aconteceu, uns três anos atrás, com Odair José, que foi “rememorado” num disco-tributo, no qual cantores pop davam novas roupagens a velhas canções do rei do brega. Título do CD, nada mais apropriado: “Eu vou tirar você deste lugar”. Não tirou. O disco foi lançado, vendeu, ele fez alguns shows e voltou à caverna sem som para onde se mudou. Definitivamente.

No fim da vida, João do Vale vivia em Pedreiras, onde morreu. Era feliz lá. Jogava seu dominó na praça, estava cercado pelos poucos amigos e tinha a exata dimensão do que foi para o Brasil e do que não era mais. Morreu em 1996. Daqui a três anos, por ocasião dos 20 anos do seu falecimento, talvez seja lembrado de novo. Umbilicalmente.

domingo, 21 de julho de 2013

O Grande Irmão


Essas semanas passadas foram sacudidas com a notícia de que os Estados Unidos nos espionam, cidadãos e instituições. O governo federal, numa demonstração teatralizada de indignação, vociferou pedir explicações, investigar, boicotar e outras ações igualmente ameaçadoras. “É um golpe na nossa soberania!”, gritaram os engravatados de plantão, loucos por desviarem a atenção das ruas flamejantes Brasil afora. 

Mas o que há de tão estranho nisso? Acaso alguém, em sã consciência, ou de inteligência mediana, achava que esses sites de emails, ou os poderosos donos das redes sociais, dos sistemas de buscas e outras plataformas que acumulam nossas informações não sabem de tudo o que nós fazemos, falamos ou tramamos? Acaso algum governo medianamente amadurecido acha que os Estados Unidos não espionam tudo o que se passa nos limites do seu território? Acaso ninguém desconfiava que as informações estratégicas do mundo não circulam, numa rede subterrânea, por países que têm interesse em saber delas? 

E sempre foi assim. Sempre os Estados Unidos espionaram seus inimigos, seus amigos e todos os que eles achavam que tinham algo importante que pudesse prejudicá-los ou beneficiá-los. Durante a guerra fria era pior, mas o alvo era mais localizado. Depois do 11 de setembro, o alvo se pulverizou: agora todos são alvo. São os norte-americanos contra o mundo. Exatamente como nos filmes da Marvel – nada mais idiossincraticamente americano do que os filmes da Marvel...

O cidadão comum também não está a salvo. Hoje há um mundo de câmeras que nos perscrutam. Um mundo de fones que nos escutam. Um mundo de programas que captam o que conversamos pela internet. E fazem de tudo com isso. Vendem nossos dados para outras empresas (daí você recebe um cartão de crédito e fica embasbacado de como eles souberam o seu endereço e o seu nome...), espionam nossa intimidade (às vezes para fins não tão nobres...), fuçam nossos textos para saber o que estamos pensando e fazendo. 

Tudo isso me faz lembrar a aventura ficcional de George Orwell, que em 1949 imaginou um mundo em que tudo, absolutamente tudo, seria vigiado. '1984', o romance, criticava os regimes totalitários, com especial atenção para os comunistas. Nele, O Grande Irmão, o líder maior, era o ser ubíquo e onipresente, nada lhe escapava. 

Orwell ressignificou o american way of life.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Uma cidade plural


Há sempre uma tendência para se minimizar a avaliação sobre alguém ou alguma coisa. É o tal do pensamento indutivo. É a tal da metonimização. Fazemos isso todo o tempo. No caso de Imperatriz, a segunda cidade do Maranhão, que neste dia 16 (terça-feira) faz 161 anos de fundação, os nominativos são sempre na busca da singularização. É a cidade da violência. É a cidade da música sertaneja. É a capital do futuro Maranhão do Sul. É a capital da energia. É a terra das oportunidades da região tocantina. Antes de ser de uma cara só, a cidade é todas essas e muitas outras, porque a cidade é plural.

A melhor definição de Imperatriz é a de cidade-mosaico. Aqui tem tudo. Música: tem sertanejo, tem arrocha, tem forró. Mas também tem MPB de ótima qualidade, tem música clássica, tem música gospel, tem regue. Teatro: tem comédia pastelão, comédia patifaria, humor, clássicos, espetáculos de dança – tudo acontecendo no único teatro da cidade, o Ferreira Gullar. Gastronomia: tem das tradicionais panelada, galinha caipira e carne de bode até uma culinária mais cara, que habita os restaurantes mais requintados (não são muitos, mas são bons). Religiosidade: muitas igrejas, para todos os credos, de todos os matizes e todos os deuses. 

Tem também um povo altamente misturado, fruto da migração que veio com a abertura da Belém-Brasília e nunca mais parou. Gaúchos, goianos, paraenses, paranaenses, mineiros, cariocas, paulistas, cearenses, mato-grossenses, tocantinenses, pernambucanos. Do próprio Maranhão, gente de quase todos os municípios. De fora, árabes, libaneses, coreanos, italianos, portugueses, espanhóis e mais não sabemos.

Difícil é encontrar um imperatrizense genuíno, “do pé rachado”, como se diz por aqui. O resultado dessa miscelânea fenotípica a gente vê todo dia, sob o sol escaldante, zanzando pelas ruas com nomes de estado, em carrões, motinhas, bicicletas, cavalos ou a pé, atravessando displicentemente fora da faixa.

É uma cidade em que a diferença de renda também se mostra, ostensivamente. Muitos dizem que é a terra onde há mais carrões 4x4 do país. Também dizem que é terra onde tem mais pedintes na noite, pelos bares, nas portas dos bancos, jogados nas praças. Os condomínios de luxo convivem com os casebres. Os condomínios fechados se incrustam pelos bairros da periferia. Apartamentos de quase 1 milhão de reais proliferam, assim como as casinhas do PAC. As lojas de grife estão a poucos quarteirões das lojinhas de mercado, com produtos de Caruaru.

Há também a multiplicidade de sentimentos em relação a ela. Há os que a amam incondicionalmente. Há os que amam mais ou menos. Há aqueles que, migrantes, não se reconhecem parte dela e nutrem por ela uma indiferença pragmática. Há os que dela não gostam. Há os que apenas a suportam. Há os ainda que a odeiam, que na primeira chance se verão fora dela e livres – esse é o sentimento, quase físico, que esperam sentir. 

Imperatriz é isso. Como toda cidade, um misto de muitas e muitas coisas. De muitas e muitas outras. Por isso é que todo epíteto é frágil.

domingo, 7 de julho de 2013

Marcos Fábio: Faça sua Parte


Implantamos na Ufma de Imperatriz uma campanha de coleta seletiva para material reciclável. Nada de tão extraordinário. Nada que as escolas de ensino fundamental e médio, pagas e caras, não façam todo ano, dentro da sua ‘pedagogia de projetos’, para justificar o que os pais investem na educação dos filhos, boleto a boleto. Mas é uma campanha que, se der certo, pode servir para muitas coisas.

Surgiu assim: quando assumimos a direção do Centro, encontramos umas lixeiras estocadas num canto, daquelas de cores variadas, em que cada cor representa um tipo de material a ser coletado: azul para papel, verde para vidro e amarelo para metal (Nota: como quase não temos coleta de vidro, renomeamos a verde para plástico). Decidimos distribuir as lixeiras e seus suportes pelas áreas do campus, mas logo verificamos que apenas deixá-las na paisagem não iria adiantar, as pessoas iam continuar jogando latas, papéis, caixas, restos de comida na lixeira que quisessem.

Então montamos a campanha. Com a ajuda indefectível do pessoal do Núcleo Assessoria de Comunicação, planejamos tudo. A campanha teria um slogan e uma marca, seria feita com materiais reciclados, quase toda artesanalmente, e englobaria palestras, mostras de vídeo, sorteios, oficinas, intervenção, informação e exortação. Teria ainda uma presença marcante na mídia tradicional e nas redes sociais. “Acerte a lata” foi o slogan adotado – e tudo gira em torno dele. A campanha contou com o apoio financeiro da Câmara de Dirigentes Lojistas de Imperatriz, que doou as camisas para a equipe da organização e para sorteios.

Outro ponto forte da ação é a destinação do material acumulado. Fizemos uma parceria com a Ascamari (Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Imperatriz) para que eles recolham os materiais e façam a venda, gerando renda para os associados. Assim, ajudamos o meio ambiente, nos tornamos cidadãos melhores e ainda contribuímos para que mais pessoas melhorem suas vidas, financeiramente. A lógica do ganha-ganha.

Nossa intenção é que seja uma campanha não apenas de intervenção, mas de permanência de mensagem e de reeducação de hábitos. Por isso ela vai se estender por uns três meses ou mais. Até que muita gente já esteja acostumada a usar as lixeiras certas para depositar os materiais. E até que possamos pautar essa ideia para novos nichos.

Se conseguirmos, ao final da campanha, fazer com que a comunidade universitária se conscientize de que é possível assumir uma nova postura de destinação do lixo que geramos lá, vai ser legal. Se conseguirmos que as pessoas levem essa prática para as suas casas, o seu trabalho, a sua comunidade, será melhor ainda. Se conseguirmos fazer este projeto sair dos muros da Ufma e alcançar escolas, faculdades, empresas, melhor ainda ainda. Se conseguirmos criar, na agenda do poder público municipal, a pauta da coleta seletiva para a cidade, seria a recompensa ideal. 

Mas se nada disso der certo, ainda assim já valeu a pena. Desde o início da campanha, eu já mudei as minhas práticas quanto ao descarte do meu lixo. Se ela não servir para ninguém (o que eu, definitivamente, não acredito que acontecerá), ela já serviu para mim.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Professores da Ufma podem encerrar greve hoje


Nesta quinta, 23, às 15h, haverá uma assembleia dos professores da Ufma Imperatriz, para decidirem se continuam a greve ou se voltam às suas atividades normais.

Essa assembleia foi solicitada pelo comando de greve, em virtude de um sentimento, que já existe entre os professores, de que é preciso voltar ao trabalho.

Outros, porém, acreditam que devemos sair todos juntos da greve e, portanto, continuar e esperar os demais professores da Ufma em todos os campi.

Diante desse impasse de ideias e posições, vamos decidir, hoje, no voto, democraticamente, qual a posição os professores da Ufma de Imperatriz vão tomar. A proposta vencedora deverá ser aceita por todos os outros professores.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Historiador faz palestra sobre o jornal como material de pesquisa


Marcos Fábio

Sabe qual é a mais perecível das mercadorias? É o jornal, que no dia seguinte já se transforma em história. Para refletir sobre a natureza histórica do jornal e sua condição de material de pesquisa do passado, o Comando de Greve da Ufma Imperatriz vai realizar, no próximo dia 15 de agosto (quarta-feira), às 18h, na própria Ufma, a palestra: “O Jornal como Recurso de Pesquisa Histórica.”

As inscrições são gratuitas e podem ser feitas pelo email: marcosfmatos@gmail.com. Basta mandar um email solicitando a vaga. Estão sendo oferecidas 50 vagas. Podem participar estudantes universitários de qualquer área, de ensino médio e a comunidade em geral.

A palestra vai ser proferida pelo professor mestre Roni César Andrade de Araújo, mestre em História pela Universidade Federal da Paraíba e, atualmente, professor assistente da Ufma, do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas, campus de Grajaú.

Percurso de pesquisa
Roni tem experiência em lidar com jornais como recursos de pesquisa. Em 2004, defendeu a monografia, no Curso de Licenciatura em História da Uema: “Análise político-social do argos da lei”; em 2005, apresentou o trabalho de conclusão de Curso de Especialização em História do Maranhão, também na Uema, com o título: “O jornalismo político de odorico mendes”.

Mais recentemente, em 2008, apresentou a dissertação de mestrado na UFPb, sob o título: “Das margens do Ipiranga ao Estreito dos Mosquistos - o maranhão e a independência do brasil nas páginas dos jornais "O Conciliador" e "o Argos da Lei".

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Ufma: Doe 1kg de alimentos e entre no tatame, só hoje!

Medalha de ouro inédita no judô olímpico desperta
interesse de jovens pelas artes disputadas no tatame
Marcos Fábio

As artes marciais estão em alta no Brasil. MMA, Jiu-Jitsu, Judô, Capoeira e outras lutas ganham a toda hora o noticiário. Pensando em difundir melhor o conceito dessas atividades esportivas, o professor mestre Fernando Magalhães, do Curso de Enfermagem, vai promover o minicurso: “Artes Marciais: história, pressupostos didáticos, benefícios físicos e experiências”.

O minicurso é uma das atividades da Ufma realizadas durante o período de greve. As inscrições podem ser feitas na direção da Ufma com o custo de um quilo de alimento não perecível. Podem participar professores, estudantes universitários e a comunidade em geral. São 60 vagas e os alimentos serão destinados a projetos filantrópicos.

O minicurso vai acontecer hoje (quarta-feira, 08), das 16h às 18h, no Campus da Ufma (Rua Urbano Santos-Centro). “Este momento é uma abordagem das artes marciais como conceito, com enfoque nos benefícios físicos, lúdicos e pedagógicos que elas proporcionam”, enfatiza o professor.

Universidade no Tatame
A iniciativa faz parte de um projeto maior, que o professor Fernando Magalhães e o professor Marcelo Soares desenvolvem na Ufma, denominado “Universidade no Tatame”. Trata-se de um projeto de extensão que tem o objetivo de levar aos alunos da rede pública municipal a prática das artes marciais associadas a atividades multidisciplinares, visando a algo além da formação de atletas, com foco na prática da cidadania. “Já estamos com o projeto estruturado, dependendo apenas do reinício do calendário acadêmico para pôr em prática”, informa Marcelo Soares.


terça-feira, 31 de julho de 2012

Greve na Ufma: Deliberações da Assembleia da Apruma

Marcos Fábio

A Assembleia Geral da Apruma da tarde do dia 30/07/2012 deliberou pela continuidade da greve e acatou os encaminhamentos do Comando Nacional de Greve, a saber:
  • Rejeitar a proposta apresentada pelo governo no dia 24/07.
  • Manter, intensificar e radicalizar a greve.
  • Que os colegas, tendo como base a proposta do Andes-SN, discutam e definam posicionamentos para subsidiar a atuação do CNG e Andes-SN, na mesa com o governo no próximo dia 01-08, tomando como parâmetros:
  1. Princípios da nossa carreira: treze níveis, percentuais fixos por titulação, steps constantes, relação regime 20/40/DE, carreira única, paridade ativos/aposentados.
  2. Aumento do montante proposto pelo governo.
  3. Redução dos prazos da implantação da repercussão financeira da reestruturação da carreira.
  4. Distribuição equânime dos recursos com correção de distorções.
  5. Metodologia da negociação: rejeitar o uso do GT como instrumento de regulamentação da carreira.


segunda-feira, 16 de julho de 2012

Ufma: Oficina de Oratória começa na quinta, 19

Marcos Fábio

Corpo suando, garganta seca, frio no estômago, mãos tremendo. É assim que você se sente toda vez que precisa falar em público? Você não está sozinho. Segundo estatísticas em pesquisas realizadas nos Estados Unidos, 80% das pessoas já foram afetadas em algum momento de suas vidas pelo medo de falar em público.

Com o objetivo de auxiliar pessoas a conhecerem técnicas que propiciem melhor interatividade entre emissor e receptor o Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão – Campus Imperatriz promoverá a oficina “Oratória: A arte de falar em público”, nos dias 19 e 20 de julho.

Comunicar-se sempre foi uma necessidade. Quantas vezes não ouvimos falar que alguém tem muito a dizer, mas não consegue transmiti-lo? A oratória ultrapassa os limites das habilidades orais, englobando um conjunto de técnicas e métodos que auxiliam o emissor em uma comunicação eficaz, resultando assim, em um melhor desempenho na arte de falar.

A oficina será ministrada pela professora do curso de Jornalismo Patrícia Teixeira, e é parte integrante das atividades da greve dos professores. As inscrições são abertas à comunidade em geral e serão feitas via email da ministrante: professorapatriciateixeira@hotmail.com.

Serviço
Oficina: “Oratória: A arte de falar em público”
Local: Universidade Federal do Maranhão
Data: 19 e 20
Horário: das 16 às 18h
Vagas: 20

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Imperatriz 160 anos: crescer menos, desenvolver mais

Marcos Fábio

Imperatriz cresce a olhos vistos. Aumenta todos os seus índices urbanos dia a dia: quantidade de prédios altos, de carros e motos nas ruas, de faculdades e universidades, de profissionais liberais, de indústrias e casas comerciais, de shoppings, de casas noturnas etc. Isso se vê por aí, basta andar pela cidade e nem precisa ter um olhar tão perspicaz para notar. Mas e o desenvolvimento, como anda? Penso que, nesse momento em que estamos apagando velinhas de 160 anos, é bastante providente discutir até que ponto a cidade vem aliando crescimento e desenvolvimento. Para mim, o que parece é que o desenvolvimento está perdendo a disputa para o crescimento.

Por isso, como morador dessa cidade há seis anos, proponho que ela cresça menos e se desenvolva mais.

Crescer menos, por esse prisma, significa ter mais cuidado com a verticalização e a “condominionalização” desenfreadas, por exemplo. É racionalizar a abertura de bairros ou vilas em locais que não estão preparados para recebê-los – ou pior: que se sabe, de antemão, que não há condições de chegar, em breves dias, beneficiamentos públicos – água, esgoto, escola, posto policial, posto de saúde. É administrar melhor, com mais controle e eficácia gerencial, a industrialização e a chegada de comércios – que muitas vezes, para se implantarem, exigem um preço altíssimo, em termos de degradação ambiental e exploração de mão de obra e, em outras vezes, não passam de aventura capitalista, pura e simples. É não permitir que a cidade se espalhe sem planejamento urbano, arquitetônico, de paisagismo. É, enfim, criar estratégias inteligentes de gerenciamento das carências em todos os sentidos, para que a elas se aliem soluções também inteligentes.

Na outra face da moeda, desenvolver mais significa dotar as áreas da cidade de aparelhamentos urbanos: praças nos bairros, árvores pelos canteiros de casas e avenidas, embelezamento de áreas de recreio e lazer (um exemplo claro: sempre me perguntei por que a nossa Beira-Rio é tão feia e por que não aproveitar aquelas duas lagoas que lá estão para coisa mais útil que a pesca infrutífera...). É sanear os bairros que já existem, calçar ruas (não necessariamente com asfalto, que é quente...), levar escolas, postos médicos, postos policiais etc. É criar condições para que a cidade receba mais arte, mais cultura: mais música, mais cinema, mais literatura, mais teatro – costumamos nos gabar que estamos próximos a cinco capitais, mas quase não recebemos espetáculos de lá – a não ser o monofônico ritmo que todos conhecemos bem... Enfim, desenvolver mais é se preocupar com uma expressão que, de tão usada pelo poder público e não aplicada, está virando anedota: “qualidade de vida”.

E, antes que me chamem de quixotesco, advirto: muitas cidades Brasil afora, do tamanho de Imperatriz ou até menores, já fizeram ou vêm fazendo este dever de casa. A forma de administrar é a mesma. O que falta é vontade de fazer: do poder público, das entidades, da população. Considerando que estamos no aniversário de Imperatriz, mudar a maneira de encarar a cidade, de uma cidade que “cresce” para uma cidade que se “desenvolve” poderia ser um ótimo presente.


segunda-feira, 4 de junho de 2012

A Ufma tá de greve, mas não tá parada

Marcos Fábio

No dia 14 de maio, seguindo um movimento de professores universitários em todos os cantos do país, os professores da UFMA resolveram aderir à greve nacional que o Andes (Associação Nacional de Docentes das Universidades Federais) deflagrou. Conforme dados da Apruma (Associação dos Professores da Ufma, seção sindical do Andes), em todos os campi da Ufma, na ilha e no continente, os professores paralisaram as aulas – total ou parcialmente.

Hoje o movimento cresceu, já atinge, pelas últimas notícias, 48 universidades e 4 institutos federais. Para quem gosta de números, isso representa algo em torno de 80% das universidades federais do país, entre grandes e pequenas, entre renomadas e anônimas, entre ilhas de excelência e instituições que ainda engatinham no ensino, na pesquisa e na extensão. É um movimento que, pelos números que apresenta, já se tornou histórico.

Apesar de tudo isso, o governo ainda não esboçou reação para negociar. A única reunião agendada, marcada para a última segunda-feira (28.05), foi cancelada ainda na sexta e não há data para que aconteça. O governo alega que não negocia com grevistas.

Fazendo parte da mobilização da Apruma, a Ufma Imperatriz aderiu ao movimento simultaneamente a São Luís, na segunda-feira, 21.05, também com um fato histórico: todos os seus cursos pararam, uns totalmente, outros parcialmente, outros ainda muito parcialmente. Mas pararam. E aqui resolvemos fazer diferente.

Com a contribuição de todos os cursos, o comando de greve (formado por professores de quase todos os cursos, registre-se) resolveu fazer uma ‘greve de ocupação’. Enquanto as aulas estão paradas, são promovidos cursos, palestras, oficinas, ações sociais, sessões de cinema. Tudo de graça. Tudo aberto à comunidade. Tudo com o espírito de mostrar à população que a ufma tá em greve, mas não tá parada. A população precisa saber que os professores da Ufma têm compromisso social, que não estão de férias, que se preocupam com a formação dos seus alunos e que, enquanto esperam, mobilizados, o desenrolar das negociações do seu comando nacional com o governo federal, seguem contribuindo, da forma que podem, com a sua comunidade – dentro do melhor espírito de inserção e compromisso sociais, gênese da universidade.

Ninguém gosta de greve. Ela não beneficia nenhuma das partes envolvidas. Mas é o único instrumento cabível quando emperram as negociações entre patrões e empregados. No caso dos professores universitários, essas negociações remotam a três anos. Agora que ela está em curso, ser criativo e prestar um serviço público é uma boa forma de amenizar os seus impactos e mostrar que a categoria não é egoísta, arruaceira e interesseira – como, de resto, querem pintar por aí.


quarta-feira, 30 de maio de 2012

Ufma de Imperatriz divulga atividades para comunidade

Marcos Fábio

O comando de greve dos professores da Ufma vai realizar, esta semana, três atividades, todas abertas à comunidade e gratuitas.

Na quarta-feira, vai ser aberta a mostra “Brasil Melhor”, do Cineclube Muiraquitã, com filmes nacionais premiados e clássicos. Todos os filmes serão exibidos das 16h às 18h, nas dependências da UFMA. A sessão de abertura vai trazer “O Pagador de Promessas”, único filme brasileiro premiado no Festival de Cannes, premiação que este mês fez 50 anos.

Na quinta, às 10h, vai ser ministrada a palestra “A redação no Enem: como fazer”, com o professor doutor Marcos Fábio Belo Matos, do curso de Jornalismo, no auditório da Ufma. A palestra é aberta a alunos de escola pública que estão no 3º. Ano do ensino médio. As inscrições podem ser feitas na coordenação do Curso de Jornalismo.

Na quinta, será realizada a palestra: “Rotulagem de alimentos: você sabe o que está comendo?”, com a professora mestra Tatiana Lemos, do Curso de Engenharia de Alimentos, no auditório da Ufma, às 16h. A palestra é uma promoção do CA desse curso.

De acordo com o comando de greve, essas ações têm a intenção de mostrar à população que a Ufma está em greve, mas não está parada, e ainda de prestar um serviço de utilidade pública à comunidade em geral.

Mais informações podem ser obtidas pelo fone: (99) 8122 0975.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A Mulher Perfeita

por Marcos Fábio

- Tou te dizendo, ela é a mulher mais perfeita que eu já conheci, cara.
- Não acredito, não existe mulher perfeita.
- Essa é. Não tem defeito. Já procurei. Já tentei fazer ela ficar com raiva de mim, já dei em cima de amiga dela, já viajei sem avisar, furei compromisso. Nada. Ela, nada de sair do controle.
- E coisa de casa?
- Sabe fazer tudo: lava, passa, cozinha perfeito. E ainda trabalha fora e ganha mais que eu.
- E na hora ‘h’?
- É um vulcão. Faz tudo o que eu peço e não faz nem carinha de nojo.
- Bonita?
- Linda, linda!!
- Não pode ser.
- Mas é. Vou te apresentar.
- É porque tá no começo.
- Nada, cinco anos já. Já dava pra saber quem é ela, não acha?
- Cinco anos, sim, já dá.
- Pois é isso.
- Mas será que ela não vai mudar depois de te amarrar?
- Não. A mãe dela é do mesmo jeito, o sogrão contou. E uma irmã também, o marido me diz todo dia: “Casa logo, cara. Tu tirou a sorte grande.”
- É isso aí, então. Vai fundo.
- Vou mesmo, mês que vem, noivo de aliança e tudo. Já marcamos a cerimônia.
- E como é o nome dela? Adriana, que tu disse?
- Não, Ângela. Ângela Marchusci.
Aí ele lembrou de uma loirinha magrinha que ele amassou no colegial, meio cândida, meio ingênua, meio delicadinha demais. Ângela Marchusci, era esse mesmo o nome dela, ele nunca esqueceria. Aí ele se arrependeu muito de não ter agora a Ângela-mulher-perfeita-Marchusci, com quem Alexandre iria casar e que faria dele (Alexandre) o homem mais feliz do mundo.



quinta-feira, 28 de julho de 2011


A Vida é Doce

por Marcos Fábio

- Eu sou apenas uma mulher prática. A última frase foi dita já com as malas dele saindo pela porta e ela mandando o taxista subir para pegá-lo.

Anita nasceu prática. Poucos brinquedos na infância, poucos namorados no colégio para não distrair os estudos, uma faculdade feita trabalhando e paga com enormes dificuldades, mas sempre em dia, um diploma de advogada que lhe daria (pensava então) um sossego na vida adulta. Deixou os beijos, os abraços, as saídas com a turma e o sexo para depois dos vinte e cinco, do escritório montado e do carro na garagem.

Agora, com trinta anos, percebeu que poderia ter sido mais emotiva, se deixado levar por pequenas loucuras de adolescência e de universitária que, enfim, não seriam a pior coisa do mundo – como quando daquela vez que podia, por exemplo, ter experimentado maconha na calourada e não quis por medo de se viciar. Aquele porra louca do Tarciso experimentou, chapou a faculdade inteira e hoje é procurador do trabalho.

Os namorados também podiam ter frequentado mais as letras do alfabeto. Que ela lembre, só dois antes desse desastre que foi o Ciro. Perdeu a virgindade com o Ciro porque achava que ele seria o cara que iria tirá-la de uma vida de dificuldades. Afinal, ele era professor universitário, consultor de uma grande empresa de remédios e outras cositas mas. Depois que deu pra ele e foi ficando pelo apartamento que ele alugou para impressioná-la, percebeu a furada: o cara era um fodido, um desorganizado com as finanças, devia todo mundo e tinha os bens vinculados a uma ex-mulher que ela só descobriu fuçando as coisas dele, quando já não dava mais para recuar... Uma vida de aparências, a do Ciro, na qual ela estava irremediavelmente metida até o pescoço.


Decidiu não ter filhos. As duas vezes que engravidou, botou pra fora, uma inclusive na mesa de cirurgia de uma clínica clandestina. Melhor correr o risco de se estrepar do que levar pela vida toda um pedaço daquele doido lascado, ela disse numa mesa de bar a uma amiga, que se escandalizou mas compreendeu e prometeu guardar segredo. Não guardou e agora ela tinha que dar explicações sobre isso ao Ciro, numa briga em que ele lhe deu um tapa no rosto. Foi aí que ela decidiu botá-lo pra fora de casa, pois podia ter sido tola, mas ainda era uma mulher prática.

- Foda-se a sua praticidade. Você vai acabar seus dias velha, feia, sozinha e toda fodida, porque ninguém vai querer ficar ao seu lado, sua cadela escrota. Ciro gritava do táxi, empurrando as malas pra dentro e contando os abortos para quem quisesse ouvir. Anita estava sentada no piso, embaixo da janela, com as mãos nos ouvidos e os olhos fechados. Quando tudo se acalmou, levantou-se, enxugou uma lágrima que ia caindo – uma só! -, desceu e foi mandar lavar o carro.

No fim daquela semana, ela já estava com as senhas trocadas, um outro netbook, o cabelo pintado de loiro e num apartamento novo, alugado mobiliado de uma amiga que estava indo para um estágio no exterior. Um apartamento num condomínio com porteiro, para não correr o risco de o maluco do Ciro querer invadir.


Sexta-feira, 17 de Junho de 2011
A Moça do Piano

Não sei se disse, mas sou representante de um produto japonês de massagem. Viajo o país inteiro apresentando ele em todo tipo de local: feiras, farmácias, reuniões beneficentes, vou até de casa em casa, quando a cidade é muito pequena. É um massageador que as pessoas usam nas costas, nos pés, nos braços, onde tiver uma dorzinha ele chega e resolve. É isso que o panfleto diz. O panfleto traz a foto do japonês que inventou o aparelho, um baixinho atarracado e com metade da cabeça já careca, vestido de quimono. Quem compra o aparelho ganha dois potes de gel. O gel é que evita que a ponta do aparelho, que é uma bolinha que fica tremendo na pele, machuque as pessoas. Mas já me disseram que o sucesso do aparelhinho do japonês é mesmo porque ele é usado como vibrador. Não quero nem saber, é ele que me faz viajar, conhecer muitos lugares e me fez comprar minha casa, meu carro e criar meus filhos até agora.

Adoro viajar. Fico às vezes duas, três semanas fora de casa. Gosto do cheiro de amaciante das camas de hotel, com lençóis limpinhos, dos cafés da manhã, sempre cheios de coisas, dos sorrisos das recepcionistas e da curiosidade delas pra saber o que é que existe naquela mala enorme que eu carrego pra cima e pra baixo. Vou quase sempre de avião, porque a firma do japonês arca com todas as despesas. Esse produto é bom mesmo, porque o japonês tem um monte de representantes como eu, espalhados nos cinco continentes, vendendo, vendendo o aparelhinho massageador-vibrador em todas as línguas que se possa imaginar. Uma vez por ano, o japonês faz uma conferência de vendas, um encontro pra todos nós dizermos quanto vendemos. São números impressionantes. Mas mais impressionantes são os lugares em que esses encontros acontecem: Malibu, Caribe, Costa do Sauípe, Himalaia, Honduras, Jamaica, já houve até um em Havana, apesar de o japonês ser um capitalista que odeia ouvir falar em socialismo. Mas no caso de Havana, o motivo foram as boates...maravilhosas! Aliás, esses encontros são mesmo só pra farra, os tais números são apenas pra mascarar as farras que o japonês gosta de proporcionar pra nós, que aumentamos a sua fortuna pessoal em dezenas de milhões de dólares a cada 365 dias.

Viajo por todos os estados do Brasil. Acho que já refiz o mapa territorial umas vinte vezes, sem exagero. Posso estar, num mês, no meio da floresta amazônica, daí a quinze dias no frio de Curitiba e daí a mais uns dez dias numa cidadezinha litorânea do Ceará. No Brasil, somos apenas três representantes e não existe essa de área demarcada de cada um, não. Eu posso me deslocar pra onde eu bem entender, em qualquer direção, sem dar satisfação a ninguém, nem mesmo ao japonês. O japonês, aliás, nunca quer saber por onde andam seus representantes. Só quer saber do seu caixa tilintando. Ao final de cada mês, enviamos o nosso mapa de despesas pra um escritório que ele tem em Tóquio e eles nos ressarcem as despesas dez dias depois, no máximo.

Uma noite estava em Floripa e ouvi uma música no piano-bar do hotel. Eu cheguei de uma visita a uma academia de ginástica, na verdade um enorme centro de estética que faz de tudo. Eles estavam interessados em vender o aparelhinho e queriam saber se podíamos fazer uma parceria e tal. Eu expliquei que não fazemos parcerias, não damos descontos, não vendemos a prestação. O que podemos fazer, no máximo, é pegar um cheque para 40 dias. É o máximo que o japonês nos permite facilitar. E também não vendemos em grandes quantidades, no máximo duas caixas por compra, o que dá 48 maquininhas. O japonês é meio esquisito no quesito adaptação a novas estratégias de marketing e vendas. É isso e o panfletinho de que já falei, e só. Mas talvez seja esse mesmo o segredo do seu sucesso. Orientais...

Foi um dia cansativo, aquele da academia. Convenci, enfim, os donos da academia a ficar com as duas caixas, recebi um cheque para vinte dias e voltei pro hotel. Pus a malona sobre a cama e desci pra beber um chope, que minha garganta já pedia uns. Pois estou entrando no bar, que estava com uma luzinha meio morta e um punhadinho de gente: um casal num canto no maior love, um grupo de quatro jovens bem loiros, três rapazes e uma menina, e eu. No fundo do bar, sob um pequeno holofote, uma moça ao piano. Tocava de cabeça meio baixa e o cabelo grande e caído não deixava ver muito bem o seu rosto. Ouvi aquela melodia, olhei para a moça no canto e não tive nenhuma dúvida: era ela.

Tantos anos já. Pelo visto, ela deve ter deixado de tocar na igreja. Senão não estaria ali, pensei. E já não era a jovenzinha que carregava o caderninho e estava sempre de vestido. Naquela noite, pelo contrário, ela estava vestida num tailleur preto, uma calça meio justa, dava para ver as pernas grossas encherem o tecido nos lados da coxa. Quantos anos deveria ter? Só que eu não visitava a cidade onde nos conhecemos já se iam 15 anos. Naquela época, ela devia ter uns dezessete anos, presumo, então agora ia pelos 32, 33, mais ou menos. Mas ainda era encantadora. E, para meu desespero, estava tocando cada vez melhor, com mais suavidade do que nunca.
Sou um apaixonado por música, mas um músico frustrado. Nunca consegui aprender a tocar nenhum instrumento, apesar de já ter frequentado aulas de tudo o que é tipo de coisa: violão, piano, baixo, guitarra, os de sopro quase todos. Também fui coralista na igreja onde fiz a primeira comunhão e a crisma. Talvez essa frustração por tocar um instrumento tenha me levado a ser quase um alucinado por música. Tenho uma cdteca de fazer inveja a muitas rádios consideradas boas. Só de piano tenho uns 150 álbuns.

Ela tocava divinamente. Os dedos deslizavam sobre as teclas pretas e brancas do piano. O ritmo perfeito. Até a postura dela era perfeita: a coluna ereta lhe dava um ar altivo, uma delicada sinuosidade. Criei coragem e sentei mais perto, levando meu chope. Fiquei bem pertinho dela, escutando aquela música, abobalhado. Dava pra sentir o perfume dela de tão perto que eu estava. Dava para ver seu peito subindo e descendo da respiração. Dava pra ver que ela estava notando aquele cara bem perto, olhando pra ela com cara de tarado ou de abestalhado, não sei o que ela pensou.

Quando a música parou, não me contive a bati palmas. Os caras loiros da mesa me acompanharam, o casal não. Quis perguntar o nome dela, mas uma vergonha absurda tomou conta de mim. A única coisa que me permiti dizer foi que eu tinha adorado, adorado. Ela deu um sorriso complacente, pegou a pasta de folhas de saco plástico e se foi.

Nunca consegui me perdoar por não ter, naquela hora, chamado ela pra mesa, dito que eu a conhecia dos tempos da igreja, perguntado o seu nome, dito que eu adorava a música que ela tocava desde que ela tinha uns dezesseis, dezessete anos e me encantava lá na igreja. Que eu ia todos os domingos, todos os domingos, religiosamente, por causa dela. Ficava ouvindo os cantos daquelas bandas chatérrimas por causa dela. Aguentava, por causa dela, ouvir o pastor dizer que eu vivia em pecado e que minha alma ia arder eternamente no inferno. E que ela me devia ao menos o nome, por todos esses anos que eu passei ouvindo a música dela ressoar na minha cabeça, de quando em vez, nos horários mais absurdos. Ela me devia ao menos o nome...



O Piano
Todos os domingos eu ia religiosamente à igreja. Mas não ia pra orar nem pra louvar ao Senhor nem nada dessas coisas de palavra de Deus, não. Eu ia era pra ver ela tocar piano. Ela era uma visão do céu, parecida com aquelas imagens de anjo que eu via no meu livro de catecismo, quando era guri. E a música que ela tirava do piano era maravilhosa.


Eu chegava cedo na igreja e me sentava bem na frente de onde o piano ficava, esperando a hora dela chegar. Ela entrava, normalmente, uma meia hora antes, para passar as músicas. Trazia um caderninho, que um dia eu vi cheio de uns sinais estranhos, deviam ser as notas musicais que ela tocava. Sentava no banquinho, abria o piano, botava o caderninho numa espécie de prateleirinha, onde ele ficava penduradinho e dando exatamente para ela ver os sinais e tocar por eles. Tocava sem acompanhamento. Era uma igreja tradicional, muito silenciosa. Nada daqueles cultos cheios de guitarra, bateria, baixo que mais parecem um show de rock, com um pessoal tocando e cantando histericamente. O pastor tocava violino, de vez em quando, fazendo dueto com ela no piano – uma maravilha!

Verde, vermelho, amarelo, azul, lilás...Ela variava muito a cor do vestido. Mas sempre usava vestido, nunca calça nem saia nem outro tipo de roupa. Sempre vestido. Não devia ser norma da igreja, não, porque via muitas meninas lá de blusinha, jeans justinho, até de decote. Talvez fosse pelo fato dela tocar o piano, e o piano impor uma certa postura mais clássica, sei lá. Só sei que eu adorava quando aqueles vestidos entravam na nave da igreja, sentavam e dedilhavam uma música celestial, invadindo meus ouvidos e tomando conta do meu cérebro inteiro.

Na primeira vez, entrei na igreja por acaso. Tava em casa sem nada pra fazer, aí fui dar um passeio. Quando passava na frente do prédio, ouvi a música. Fiquei curioso, era uma música tão suave, tão diferente...Entrei e dei com ela passando os hinos, quase ninguém ainda tinha chegado. Sentei na frente dela e fiquei de olhar fixo nos dedos que deslizavam pelo piano. Nem piscava. Acho que ela percebeu, pois me olhou depois de ter passado as músicas e fez um cumprimento muito sutil, acenando com a cabeça e dando um risinho mínimo, mas eu percebi.

Fui muitas vezes à igreja, sempre na esperança de que ela nunca faltasse. E ela nunca faltou enquanto eu morei na cidade, vários anos. Mas um dia eu voltei lá pra rever uns parentes, fui ao culto e não encontrei mais ela. Não quis perguntar nada, porque não conhecia ninguém na igreja, frequentei todos aqueles anos como um desconhecido e ninguém se importou de saber nem o meu nome. Melhor assim. O piano ainda estava lá, mas só de decoração, nenhum som. Agora tem um cara tocando violão, ainda bem que não é uma daquelas bandas que ficam se esgoelando pra ver se Jesus ouve lá do céu. O pastor também mudou, agora é um mais novinho. Assisti só a metade do culto e fui embora antes de tirarem a oferta.