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Antipartidarismo castiga a esquerda

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Mara Telles: antipartidarismo costuma castigar mais a esquerda na eleição
"O antipartidarismo, que já ocorreu na Itália, Grécia, Espanha, Portugal em outras décadas, costuma castigar mais as esquerdas do que as direitas. Não seria difícil imaginar que em circunstâncias muito parecidas, isso também fosse ocorrer no Brasil", diz a cientista política da UFMG, Mara Telles. Imagem: Reprodução, Jornal GGN
Em pelo menos 10 capitais brasileiras, o volume de abstenção supera a média nacional registrada pelo Tribunal Superior Eleitoral na eleição de 2016, que foi de 17,58%. O índice de eleitores que não foram às urnas já é ligeiramente maior que o aferido em 2012, de 16,41%, e vem crescendo ano a ano.

Em São Paulo, João Dória (PSDB) venceu no primeiro turno com 3,085 milhões de votos válidos, ante 3,096 milhões que não foram computados para nenhum dos concorrentes. Os votos de Marcelo Crivella (PRB) e Marcelo Freixo (PSOL) somados chegam a 1,3 milhão, mas não alcançam os 1,86 milhão de eleitores que não colocaram nenhum dos dois candidatos no segundo turno, no Rio de Janeiro. Em Belo Horizonte (MG), João Leite (PSDB) e Kalil (PHS) somam 710 mil votos contra 741 mil de brancos, nulos e abstenções.

Na visão do TSE, há uma motivação técnica para o crescimento das abstenções: a não atualização dos dados dos eleitores por meio do recadastramento biométrico. Mas há outros dois fatores acendendo o debate sobre a ausência de grande parcela do eleitorado nas urnas em conjunto com os que votam branco ou nulo: a insatisfação generalizada com a política e o impacto da minirreforma eleitoral.

Na contramão de vários analistas que diagnosticaram a derrocada do PT nas urnas como uma guinada do País à direita, a professora de pós-graduação em Ciência Política e coordenadora do grupo Opinião Polícia da Universidade Federal de Minas Gerais, Mara Telles, levanta a questão: será que os eleitores que costumavam votar em partidos e candidatos mais identificados com a esquerda não representam a grande parcela desses insatisfeitos que não votaram ou votaram branco e nulo?

“A hipótese apresentada não é a de que os eleitores de esquerda tenham migrado para a direita, mas eles deixaram de comparecer [às urnas]. Como no Brasil o voto é obrigatório, pode ser que eles tenham ido às urnas e tenham votado em branco, nulo, porque os eleitores de esquerda podem ter se sentido insatisfeitos com suas lideranças”, disse a cientista em entrevista ao GGN, na segunda (3).

“A Lava Jato teve peso muito grande sobre essa transformação da política em espaço bastante negativo, derrotando as ideologias em nome do discurso moral combate à corrupção. A clivagem passou a ser honesto contra desonesto, e isso não é disputa ideológica. É uma disputa em que tenta-se eliminar ideologias”, acrescentou.

Abaixo, a entrevista completa.

Como podemos interpretar o crescimento de abstenções, brancos e nulos em várias capitais brasileira na eleição de domingo passado?
Digamos que “não quero ser político, quero ser prefeito” foi o mote dessas eleições com base na opinião pública. O mote viria a beneficiar o candidato que atacasse a política. Na opinião pública, a Lava Jato aumentou vertiginosamente a percepção de corrupção. Esse contexto mesclado com a perseguição às esquerdas reproduziu o desinteresse pela política. Tudo isso num país extremamente desigual e que testou, pela primeira vez, uma reforma política que reduziu o tempo de campanha e os recursos, que são importantes fontes de informação para o eleitor.

É um cenário de muito desalento em relação a partidos e descrenças em relação a políticos. Esse fenômeno, na literatura, chama-se descontentamento. Em outros países, esse descontentamento gerou um forte antipartidarismo, que por sua vez levou à alta abstenção ou, como os eleitores são obrigado a participar, eles vão às urnas, mas não escolhem nenhum dos políticos. Quando escolhem, buscam nomes de fora da política.

O antipartidarismo, que já ocorreu na Itália, Grécia, Espanha, Portugal em outras décadas, costuma castigar mais as esquerdas do que as direitas. Não seria difícil imaginar que em circunstâncias muito parecidas com a de outros países, isso também fosse ocorrer no Brasil, com essas características: falta de identificação entre partidos e eleitores, baixa estruturação do sistema político, sucessivos escândalos midiáticos de corrupção, erros de estratégia das esquerdas, com o agravante da perseguição da Lava Jato a líderes vinculados às esquerdas.

Mas tão importante quanto os resultados é ver quem não foi às urnas. Será que não são também eleitores descontentes com o PT?

Os eleitores da esquerda tendem a castigar os partidos com os quais se identificam. Na Espanha, quando Mariano Rajoy ganhou a eleição presidencial por um partido de direita, foi com poucos votos em relação ao que ele teve antes. Na verdade, ele ganhou porque os eleitores de esquerda não compareceram para votar no partido socialista. Ou seja, o patamar de votos da direita subiu um pouco, mas a questão é que a esquerda perdeu muito mais eleitores.

A hipótese apresentada não é a de que os eleitores de esquerda tenham migrado para a direita, mas eles deixaram de comparecer. Como no Brasil o voto é obrigatório, pode ser que eles tenham ido às urnas e tenham votado em branco, nulo, porque os próprios eleitores de esquerda podem ter se sentido insatisfeitos com suas lideranças.

Não só no PT, mas conforme os partidos de esquerda vão se hierarquizando e burocratizando no Brasil, as lideranças ficam desgastadas. O Lula é a referência como liderança, mas é o único. Se acontecer algo com ele na Lava Jato, o que vai ser do PT? O PSDB conseguiu fazer o Dória. O PT aposta todas as fichas no Lula, não se renova, não recruta novas lideranças. Não é o fim das esquerdas, mas é uma grande crise.

Diante desse cenário de descontentamento e antipartidarismo que prejudicam mais as esquerdas, seria equivocada, então, a leitura de que o Brasil deu uma guinada à direita?
Acho que a maior parte dos candidatos não se apresentou como de direita. O discurso apolítico é justamente se colocar para cima e para fora da política. Mesmo que esses discursos estejam mais presente na boca de líderes identificados com a direita, não é imediatamente conectado pelo eleitor como um espaço à direita, mas um espaço sem política. Acho que a eleição foi muito pouco polarizada e ideologizada, ao contrário do que ocorreu em 2014. Na de 2016, os políticos tentaram se desvencilhar desse espaço de crise política, colocando-se como líderes não políticos.

A Lava Jato teve peso muito grande sobre essa transformação da política em espaço bastante negativo, derrotando as ideologias em nome do discurso moral combate à corrupção. A clivagem passou a ser honesto contra desonesto, e isso não é disputa ideológica. É uma disputa em que tenta-se eliminar ideologias. Claro que existe o antipetismo, mas isso é encontrado em todo o eleitorado? Acho que não.

Em 2014, houve aposta na campanha de terceira via por Marina Silva e seu discurso de negar a polarização entre PT e PSDB, se colocando “contra tudo o que está aí”. Em 2016, temos o “não sou político, sou empresário”, veladamente criminalizando a política. Como chegamos em 2018?
O que chamamos de antipartidarismo e baixa institucionalização dos partidos gera outsiders. São pessoas com capital convertido, líderes que usam sua popularidade como apresentadores, bispos, outros religiosos, empresários. Isso é notado desde 2014, quando começou a produção de escândalos de corrupção viralizados na mídia, que acabaram produzindo imagens negativas para os partidos, sobretudo do PT. Note-se que o que vale é a imagem. Não importa se o PT é ou não corrupto. O que importa é que ele foi enquadrado assim.

Os pequenos partidos, por sua vez, se aproveitaram disso. Observa-se, nessa eleição, que os nanicos lançaram candidaturas próprias se afastando dos partidos tradicionais. PHS, PMN, PHS, PSD, SD, PSOL, todos esses pequenos estão em segundo turno. Eles se apresentam como forças novas mesmo que seus líderes sejam antigos. O que se pode esperar da eleição de 2018 é que ela também seja mais fragmentada e menos polarizada entre PT e PSDB, como foi essa eleição municipal. Dependendo da situação econômica do País, alguns vão se apresentar como força política ou como força não política. Acho difícil aparecer um outsider em 2018.

Diante das experiências internacionais, qual o caminho para reorganização da esquerda?
O processo tem que ser por cima e por baixo. Por cima, dentro das organizações, novas lideranças precisam ser apresentadas, mas não aquelas que saem de Brasília para o povo. Tem de ter base social e vínculo psicológico com os eleitores e com os núcleos clássicos das esquerdas, mas sobretudo com os novos temas das esquerdas.

O PSOL fez sucesso com pautas voltadas para negros, mulheres, além da pauta mais clássica, da luta do capital. A pauta social é superimportante, mas outras, pós-materialistas, estão surgindo, como a de meio ambiente, de gênero, feminismo. Tudo é importante, mas além de dialogar, é preciso ser mais permeável à participação desses setores dentro dos partidos.

É importante que os partidos se descongelam. A crise não é do PT, é das esquerdas, é mundial, e aqui no Brasil foi agravada pela Lava Jato e pela falta de estratégia das lideranças partidárias. A direita sempre existiu. Ela só se aproveitou da janela de oportunidades para crescer um pouco. Acho que os outros partidos de esquerda fizeram isso, se renovaram. Todos já passaram por crises vinculadas à questão da corrupção. Na Espanha, Felipe González (PSOE) foi derrotado após dois governos exitosos. O PT deveria olhar essa experiência.

Cíntia Alves, Jornal GGN
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