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Clube dos Garotos – 7 – Mr. PowerPoint

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Texto de ‘fricção’ confeccionado em organdi pelos jornalistas Rui Daher, Nestor Gruppo e Regularte Pestana, patrocinado pelas Estampas Eucalol com apoio dos baralhos “Dirigindo não Jogue”. (Rui Daher, Jornal GGN)
Nossa presença aqui hoje faz os amigos e amigas leitores perceberem que cedemos aos comentários carinhosos com que fomos brindados, o que nos blinda (doeu?) diante de qualquer tentativa de empastelamento do BRD, Blog Rui Daher, na acepção de uns, Boteco Rui Daher, na dos mais fanáticos.

Não que os dilemas na Redação tivessem arrefecido. Pelo contrário. Quando Curitiba se manifesta, a impressão é de estar assistindo a The Wild Bunch, (“Meu ódio será a tua herança” - 1969), western magistral, dirigido por Sam Peckinpah (1925-1984).

Decepção: mais uma vez, não entrevistaremos o postulante à prefeitura de São Paulo, Levy Fidélix, e sua bonita filha Lívia, candidata a vereadora, 28.128 (Dr. Levy, os dados da conta o senhor já tem. Por favor, promessa é óbolo).

Depois da espetacular apresentação feita pelo procurador do Ministério Público Federal, Deltan Dallagnol, com repercussão máxima nas folhas e telas cotidianas, nossos provedores financeiros e de hardware não resistiram. Pifaram. Ficamos sem comunicação, travados, tantas foram as apresentações em PowerPoint recebidas. Umas leves, somente comprovações; outras pesadas, apenas convicções.

Vieram de todas as cidades do estado de São Paulo em que haverá eleições. Inclusive com insinuações corruptoras. A esses informamos: primeiramente, não aceitamos jabás; depois, fora Temer; terceiro, a Redação precisa trocar as cortinas.

Daí que a sétima entrevista do Clube dos Garotos foi feita em forma de conference call, diretamente dos headquarters da Microsoft, em Redmond, Washington, com Mr. PowerPoint.

Sabedor que, ultimamente, Nestor sempre cria um problema no final das entrevistas, deixei que fizesse a primeira pergunta.

- Mr. PowerPoint, eu o detesto. Nunca fiz uma apresentação em parceria com o senhor. Dispenso-o. Prefiro ficar só nas palavras. Sejam elas francas, diretas, sem ilusões, improvisadas, erradas, rebatíveis. Quando alguém o usa, durmo ou me retiro. Prova de estar certo é o compridão de Pato Branco, que acaba de usá-lo para fazer merda. Por que o seu sucesso?

Eu e Pestana ficamos disformes de tanto piscar e fazer caretas para ele. A chegada do coronel Jadir, da PM, poderia estar iminente.

- What the fucking this guy is talking about?

- Viram? Tinha que arriscar. Agora estou aliviado. Sabia que ele não entendia português.

Quando comecei a traduzir, trocando o sentido das agressões do Nestor, o gringo me interrompeu:

- Não precisa traduzir. Entendo e falo muito bem a sua língua, qualquer uma, aliás. Estou no mundo todo. Para a sua surpresa, concordo com tudo o que Mr. Nestor falou.

- Ah, sim, pois não.

- No Brasil, sou mais usado do que em qualquer outro país do planeta, exceção a duas tribos da África Subsaariana que costumam me usar em rituais de morte.

- Tipo autoflagelo?

- Não, punição. Quando fui concebido, em 1990, na Microsoft Nursery, era um dos bebês mais lindos da corporação. Útil, prático, entendimento fácil, rápido, permitia vários recursos audiovisuais, até animação.

- Lembro. Gostava.

- Vejam, então, a minha tristeza. Com apenas 26 anos de idade, sou cada vez mais deflorado. Isto dói. O mais recente estupro veio de um conterrâneo seus, Deldata Lanhol, coisa assim.

- Vimos. Um monte de bolas apontando para uma bola central. Parece que não convenceu ninguém, nem o beiçudo. Dizem que somente a bolona do meio gostou.

- That’s the point ... and the power. Hahaha, boa essa, não?

Todos riem, menos Alfredão Mohammed Zilberstein, ainda não apresentado aqui, mas que contratamos para nos proteger das ameaças do coronel Jadir.

- 90% dos que me usam, são imbecis que repetem as colas que os estudantes relapsos usavam no passado.

Senti um rubor passar pelo meu rosto.

- Mal preparados, sem estudar a fundo os temas e argumentos que precisam discutir ou informar, com medo de esquecer o que decoraram, agem como as mocinhas que escondiam papeizinhos debaixo das saias, notinhas escritas nas coxas.

- Me ajudaram muito em vários sentidos, diz Pestana.

- Pois é. Hoje em dia, usando meu santo nome em vão projetam suas fraquezas nas telas e enchem o saco das plateias. Não fui criado para isso.

- E o senhor foi criado para o quê?

- Lousas, lembram? Quadros-negros, brancos, flip charts, também. Neles, professores, palestrantes, torturadores, donos de restaurantes, seja lá quem fosse, escreviam lembretes curtos, pratos do dia, poucas palavras, somente os relevantes para memorização posterior, que remetessem ao essencial do tema.

- Concordo. Isso instigava os ouvintes, faziam-nos raciocinar e correr atrás das palavras. Poucos sabem usá-lo. Bons palestrantes nem precisam do senhor.

- Eu fui concebido como forma, não conteúdo. Este se expande e se justifica com a fala. O cérebro de quem escuta filtra das palavras o que lhe interessa guardar.

- Já pensou alguém analisar “Ulisses”, do Joyce, projetando tópicos na tela, ilação por ilação, significado por significado, hipótese por hipótese, viés por viés? Ou quem pegue os fatos que levaram à Segunda Guerra Mundial e os encadeie através de setas? Quantos slides irá usar? Depois, provavelmente, reclamará da audiência distraída. Tente perguntar no final de uma palestra em PowerPoint, 58 slides apresentados, se ele lembra do terceiro.

- Tem aqueles que correm desesperadamente atrás dos slides para anotações e não prestam atenção no que está sendo falado.

- Senhor, aqui fala o Nestor. Peço licença para contar singela história que mostra meu desagrado com apresentações infinitas.

- Go ahead, pal.

- Desassossego. Pestana baixa a cabeça. Alfredão dá um passo em direção à janela e espia se há alguém no jardim.

- Please, do it.

- Conta-se que na Politécnica, escola de engenharia da USP, em suas aulas, houve um professor que implicava o tempo todo com determinado aluno. Chamada oral era só para ele, broncas disciplinares, também. Perto do fim do ano letivo, todos já reconheciam a perseguição. Certo dia, depois de várias reprimendas, o professor falou: “Você é tão burro que, até hoje, não conseguiu entender o que são linhas paralelas.

- Gee!!!!

- A sala de aula tinha três longas lousas contínuas, uma na frente e duas laterais. O aluno falou: “Claro que sei, professor”. Pegou o giz e foi traçando, pacientemente, uma linha de ponta a ponta das três lousas. Depois, repetiu outra, um palmo abaixo da primeira. Voltou ao início das linhas, giz na mão, começou a caminhar, parando a cada três passos:

- Professor, linhas paralelas são aquelas que não se encontram nem aqui, nem aqui, nem aqui – repetiu mais cinco vezes. No final, parou, encarou o professor, e gritou: e nem na puta que o pariu. Dizem que mesmo assim se formou engenheiro.
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