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Carta aberta ao diretor golpista da Globo

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Eu ia escrever a palavra jornalista, mas me detive. Não acho que possa chamar de jornalista, não pelo menos como imagino que se comporte um jornalista, alguém que coloca no Facebook o avatar de Sergio Moro e, na véspera da Aletheia, defendeu euforicamente a prisão de Lula e a deposição de Dilma.

Mesmo para os padrões jornalísticos da Globo, me parece coisa demais para designar alguém que faça aquilo como jornalista.

Mas o que eu queria dizer é outra coisa.

No Facebook, você acusou o DCM de ser financiado pelo governo. Esta calúnia mostra, também, o grau de honestidade e acurácia do que você escreve. Como, mesmo assim, você escalou degraus na hierarquia da Globo revela bem a qualidade do jornalismo da casa.

Bretas: é uma ofensa à inteligência um executivo da Globo falar em publicidade federal e, de uma forma geral, em dinheiro público.

Apenas na TV, e com audiências sempre cadentes na Era Digital, a Globo recebe 500 milhões de reais por ano em dinheiro do contribuinte derivado de anúncios do governo federal.

Não estou falando do dinheiro público originário de outros tipos de governo. No tempo em que fui diretor editorial da Época, tive uma briga estrepitosa com o diretor comercial ao saber que o governo do Amazonas comprava lotes imensos de livros da Editora Globo em troca de matérias elogiosas.

O pobre povo amazonente estava contribuindo assim para os bônus dos diretores da Editora Globo e, uma escala acima, para a fortuna da família Marinho.

Rompi o pacto sinistro (que desconhecia) ao autorizar uma matéria crítica. O governador voou para São Paulo e, numa conversa extremamente desagradável para um jornalista com meus princípios, disse que levaria o caso a João Roberto Marinho.

A Globo não vive e nem sobrevive sem o dinheiro público. No livro Dossiê Geisel, feito à base dos documentos guardados pelo presidente Geisel e doados à FGV, aparece um ministro contando ao chefe que Roberto Marinho dizia merecer “favores especiais” por ser “o aliado mais fiel e constante” da ditadura.

O livro conta que Roberto Marinho demandava os “favores especiais” por paranoia. Ele tinha a crença de que uma empresa que não cresce começa a declinar. E então ele queria crescer sempre, mas não graças ao talento, à capacidade de inovar e estar à frente da concorrência: mas com “favores especiais” dos donos do poder.

Escrevi uma vez que um macaco ergueria a Globo tais e tantas as mamatas e privilégios em troca do apoio do amigo mais constante fiel da ditadura. Não exagerei.

O mais entristecedor é que a mesma rotina perdurou depois da ditadura. FHC contou com a Globo para esconder a namorada Mírian Dutra. Nos anos FHC, o dinheiro do BNDES salvou a Globo quando esta ficou insolvente depois de um investimento desastroso em tv a cabo. O BNDES compareceu também para financiar outro investimento desastroso: uma supergráfica erguida já quando a internet mostrava que massacraria publicações de papel como as do Globo.

Se os generais foram confrontados com a exigência de “favores especiais”, que dizer de um civil hesitante e mole como FHC, devedor do sumiço de uma mulher cuja presença estragaria seus sonhos presidenciais?

Bretas: eu poderia escrever um livro sobre os privilégios bancados pelo contribuinte e pela sociedade.

Há uma indecência chamada “papel imune”, que trazida à prática representa que o Estado livra as empresas de mídia de pagarem impostos pelo papel com que elas imprimem seus jornais e revistas.

Mesmo com tantas vantagens fiscais, a Globo é uma manjada sonegadora. Há o caso conhecido e documentado da sonegação na compra dos direitos da Copa de 2002. Não fossem a complacência e o medo da Receita Federal, talvez os Marinhos estivessem na cadeia por este crime fiscal.

Na mesma Copa, os suíços detectaram subornos a João Havelange e Ricardo Teixeira pela transmissão dos jogos no Brasil. A Copa foi transmitida pela Globo.

Fora do terreno das moedas, temos, em pleno 2016, uma reserva de mercado para proteger os Marinhos, os Frias e os Frias de competição estrangeira.

Bretas: você acredita no capitalismo? A sua empresa parece que não. Ela não quer concorrência de tipos como Murdoch. Num artigo em que defendia a reserva de mercado para ela, a Globo citou o perigo que poderia vir caso os chineses fizessem propaganda do maoísmo numa emissora que porventura eles adquirissem no Brasil.

Maoísmo, Bretas. Maoísmo.

Bretas: não vou tocar em coisas como a descrição feita por Boni de como a Globo orientou Collor no debate com Lula.

Bretas, você age como se trabalhasse na UNICEF, ou, se estamos falando de jornalismo, na BBC. Mas não: você trabalha na Globo.

Paulo Nogueira, Diário do Centro do Mundo
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