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Marcos Fábio: Amigos para Chorar

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Amigos para Chorar


Amigos para Chorar


Marcos Fábio

Sempre gostei de escolas. Lembro de, muito pequeno ainda, montar um “coleginho” na garagem lá de casa, para ensinar os colegas que ficaram de recuperação e ainda levantar uma graninha para comprar besteiras de criança. O ambiente da escola, com tudo o que ele representa, foi, em todas as etapas da minha formação, uma coisa positiva. Tanto que, depois que acabei o doutorado, fiz uma tentativa de voltar aos bancos do ensino superior, numa nova graduação. Mas aí, os compromissos, a correria e outras coisas pessoais não me deixaram completar a etapa. Fiquei apenas na escola da vida, essa que nos ensina todo santo dia uma nova lição.

Como a que aprendi ontem. Aprendi que existem várias categorias de amigos. Amigos não são todos iguais. Nem existe aquela história de que “um amigo sincero se reconhece nas horas de dificuldade”, como diz um ditado popular. Nada disso. Existem amigos, de distintas qualidades e para distintas finalidades.

Existem aqueles amigos para curtir a vida, para sair, para badalar. Existem aqueles para nos colocar no eixo, nos chamar à razão, como o grilo falante, uma espécie de “voz da consciência”. Existem aqueles pra nos tirar das dificuldades – esses, em geral, são muito práticos: conseguem dinheiro, sabem como desenrolar uma burocracia, como desfazer um mal-entendido com alguém, conhecem até uma fórmula para reatar com a pessoa amada. Existem amigos para tirar boas fotos, estando nelas ou não. Existem até os amigos de cama – aqueles que nos amam como se nos amassem, mas que apenas curtem os nossos instintos, e nós os deles. E existem os amigos para chorar.

Esses são os mais íntimos. São aqueles que conhecem as nossas fraquezas; aquelas que nós escondemos, por medo, por impossibilidade de manchar nossa imagem pública, de borrar a maquiagem ou de parecer fraco diante de quem não queremos. Aqueles que estão prontos a nos ouvir dizer coisas que os demais amigos não precisam saber; mais: nem sonham em saber... Aqueles que nos dão bem mais que o ombro, nos dão os braços para nos envolver, a cama para deitar e molhar, o quarto para que as paredes recebam o reverbero dos nossos gritos de dor e desesperança. Aqueles que, enfim, guardam nossos maiores segredos e ajudam a secar as nossas lágrimas...

Nem todos podem ser amigos para chorar. Muitas vezes, não é por falta de vontade, mas de qualidade. Muitos não têm experiência para assumir a tarefa – que não é fácil

nem romântica; é, ao contrário, árdua e opressora, porque quem ouve chorar também chora, muitas vezes por dentro, que é o choro pior, porque não escorre... Muitos têm uma vida tão agitada que não conseguem parar para nos ouvir chorar – sim, porque, apesar de vivermos em alta velocidade, o choro precisa de tempo, de silêncio e de inércia; o mundo de quem chora e de quem ouve chorar precisa parar; não dá para ser “amigo para chorar” com o Whatsapp ligado enquanto você se esvai... E, muitos, enfim, não têm interesse em saber dos seus problemas, porque, para eles, você é uma fortaleza e não pode passar uma outra imagem; você é a referência de positividade, e não queira mudar isso. Mudar isso seria destruir mitos – e o ser humano precisa de mitos para referenciar sua vida. Não queira mudar isso; é a sua utilidade na vida deles.

Na Bíblia, se você buscar, vai ver que, em João 13:23, há uma referência a “o discípulo que Jesus amava”. Então, Jesus não amava a todos os outros? Sim, claro. Mas tinha um que ele amava mais que os outros. Será que não seria esse o “amigo para chorar” de Jesus? É apenas uma hipótese. Não é à toa que, para esse discípulo, Jesus entregou, na agonia da crucificação, a própria mãe. Em João 19:26, Ele diz: “mãe, eis aí o teu filho” e “filho, eis aí a tua mãe”. Não há presente maior, não que eu conheça.



Os “amigos para chorar” também não somos nós que escolhemos. É a vida que nos mostra. E não serão muitos, ao longo da sua vida. Às vezes, uma meia dúzia, que nos acompanharão em várias etapas da nossa vida, porque o tempo tratará de espalhá-los pelo mundo. Outras vezes, apenas dois ou um, que estarão ao nosso lado pela vida toda.

E como cultivar esses amigos? Não precisa fazer nada. Eles são como cactos. Não precisam de cuidados especiais. Só precisam que o amor que os une vá sendo depositado, na frequência que a vida impuser. Devem ser apenas guardados. E bem guardados. Talvez “no lado esquerdo do peito”, como ensinou Milton Nascimento, na sua belíssima “Canção da América”. Talvez num porta-retratos, ao lado da nossa cama. Talvez num álbum secreto, numa dessas redes sociais que existem por aí – e que ainda existirão. Ou talvez ainda numa caixinha de música, ocupando o lugar da bailarina.
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