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Cleptocracia indesejável

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por Cláudio Lembo

No passado, quando o Brasil era considerado um país essencialmente agrícola, em locais públicos eram afixados cartazes contendo alerta muito específico: ou Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil.

Os tempos passaram. Os inseticidas exterminaram as formigas ou as mantiveram longe das plantações. Não se fala mais em saúva. Foi uma aparente vitória.


Hoje, parafraseando a velha frase, um novo dístico deveria constar das paredes das repartições públicas, nas três esferas federadas - União, estados e municípios: Ou Brasil acaba com a corrupção ou a corrupção acaba com o Brasil.

O noticiário diuturno se mostra extremamente amargo a respeito dos costumes políticos e administrativos que se desenvolvem no interior da burocracia oficial.

Parece que grande parcela dos ocupantes de cargos públicos perdeu a noção de dignidade e retidão. Avançam e usam os bens públicos com desfaçatez digna de um amoral.

Já não distinguem o bem do mal. O certo do errado. O reto do tortuoso. É um vale-tudo inaceitável. A sociedade atônita a tudo observa e sente-se impotente perante os acontecimentos.

Este cenário é extremamente perigoso para as práticas democráticas. A primeira observação, particularmente dos mais indignados, é lançar a débito do sistema democrático o grau de mazelas existente.

Um equívoco. É exatamente a existência de democracia que permite o conhecimento dos atos daninhos contra o erário. No silêncio das ditaduras, os aproveitadores agem e ninguém fica sabendo.

Falou, é reprimido duramente. Na democracia, onde tudo se desenvolve com a luminosidade da liberdade, as deformações são expostas à execração pública.

Cansa, mas é salutar. Aí estão todos os meios de informação relatando qualquer acontecimento desvirtuado. Apontados os desvios aos cânones éticos e as agressão às leis, de pronto, surge o Ministério Público.

Após a Constituição de 1988, a atividade dos promotores públicos e procuradores de Justiça tem se mostrado presente e eficaz. Nem sempre a sociedade constata a atuação do Ministério Público, em razão da morosidade do processo judiciário.

Ainda assim, porém, imorais atuam com sofreguidão e ganância incomum. Aproveitam-se de verbas destinadas à merenda escolar. Apropriam-se de numerário locado para a aquisição de medicamentos. Avançam sobre as obras públicas.

Criam os corruptos uma verdadeira cleptocracia, governo destinado a dilapidar o patrimônio do Estado. Isto é inadmissível. A fragilidade das instituições leva à fraqueza do próprio Estado.

O Estado, mostrando-se fraco, gera anomia social. Esta se retrata nas fraudes contra o erário ou no mero furto de bem insignificante. O cidadão passa a pensar que o ato imoral tornou-se costumeiro.

Os governos - por exigência da sociedade - devem combater a corrupção em todos os seus aspectos. Caso contrário, os estados nacionais serão transmudados em meras ficções.

Na aparência, poderosos. Não passam, porém, de meros castelos de areia dominados por máfias, comandos, milícias, cartéis, sociedades secretas, delinquentes profissionais, quadrilhas, corjas, catervas, facínoras, celerados, cambadas, enfim, malfeitores de toda espécie.

Vale a advertência para todos os poderes do Estado: Executivo, Legislativo e Judiciário. A fragilidade humana leva à fragilidade moral. Esta deve ser arduamente combatida.

Permitir a permanência do atual clima de corrupção é desserviço à sociedade. Atinge o âmago do viver com recíproca respeitabilidade entre o cidadão comum e o aparelho do Estado.

Sem esta respeitabilidade, surge a metástases. O mal se instala definitivamente no organismo social. É preciso indignação perante o corrupto e o corruptor. Só a indignação poderá salvar a convivência social harmônica.

Fonte: Terra Magazine

Nota do Terra Magazine: Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.

Nota do Blogueiro: O título deve se referir à cleptomania. No caso brasileiro, estaria mais apropriado, "Latrocinocracia indesejável".
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